Passaram 100 anos desde que a Gripe Espanhola assolou o mundo ocidental, seguindo as pisadas da Primeira Guerra Mundial. Foi a coisa mais próxima daquilo que estamos a viver durante estes anos da Covid-19 e desde que a era da Medicina moderna começou.

Ao longo do século que separa uma pandemia da outra, temos visto tantas novas economias serem iniciadas, indústrias florescer, setores e segmentos inteiros serem inventados. Mas poucos têm sido tão culturalmente e transversalmente relevantes para a sociedade do século 21 como o Turismo.

Até mesmo o conceito de férias começou apenas no século 20. Claro, os muito ricos viajavam muito, viam o mundo, iam a spas ou a cidades-casino; mas as classes médias e trabalhadoras não iam a lado nenhum. O problema não era apenas o facto de que viajar para o estrangeiro era inviavelmente caro: o conceito de férias pagas ainda não existia.

Mas em 1910, William Taft propôs que os colaboradores deveriam ter algumas semanas de férias do trabalho para estarem melhor preparados para o trabalho do ano seguinte. Enquanto o presidente americano falhou em passar a legislação relativamente a este assunto, a Alemanha e a Suécia não. E nos 30 anos seguintes, 30 países seguiram o exemplo.

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Ao longo do século, o custo de viajar diminuiu consistentemente. Por outro lado, o número de países abertos ao turismo explodiu – e esses países tendem rapidamente a tornar-se dependentes disso.

Num curto período de tempo, o turismo tornou-se numa das maiores economias do mundo: em 2019 representava mais de 10% do PIB mundial. Alterou a forma como vemos o mundo (Mark Twain disse, celebremente, que foi “fatal para o preconceito, intolerância, e mentes tapadas”). Trouxe o fim de séculos de guerras na Europa. Ajudou a cimentar o mundo globalizado no qual vivemos.

Outro segmento chave da indústria foi o das viagens de negócios. Nos Estados Unidos, 15% de quem viajava em negócios representava 30% dos gastos totais no mercado das viagens em 2019. Eram, na sua maioria, pessoas no topo da hierarquia da empresa: posições de nível C, membros dos quadros e por aí adiante. A maioria das empresas geralmente não envia os seus operários de linha de montagem, estagiários ou os seus soldados rasos em viagens com tudo pago para o outro lado do mundo.

Depois a Covid-19 atacou.

Não será necessário dizer que uma pandemia pode (e conseguiu) prejudicar as rotinas e vida diária que a sociedade toma por garantidas. Por todo o mundo, as empresas enviaram os seus trabalhadores para casa. As fronteiras foram fechadas. O ato de viajar foi limitado.

E se toda a gente está a trabalhar e ninguém está a voar, isso significa que ninguém está a voar para trabalhar. As viagens de negócios sofreram um decréscimo enorme em 2020: a investopedia registou uma redução de 96% a certa altura. A Associação Global de Viagens e Negócios não espera que as viagens de negócios recuperem antes de 2025.

À medida que os especialistas e as empresas começam a ponderar se o futuro é remoto, as viagens de negócios estão em risco. Os especialistas estão a escrever sobre como isto pode ser o fim das viagens de negócios. E se for o fim, irá arrastar toda a indústria do turismo consigo?

As pessoas adoram ser as primeiras a declarar a “hora do óbito.” Querem ser as primeiras a dizer “o VHS morreu”. No LinkedIn, no TedX e em todas as cimeiras de tecnologia a que se vá, há uma nova tecnologia a ser declarada morta. Muitas das vezes, muitas destas pessoas estão erradas.

Diria que as viagens de negócios não estão a chegar ao fim.

Gostaria de argumentar precisamente o contrário: as viagens de negócios podem estar prestes a experienciar os seus anos dourados. E podem vir a salvar a indústria do turismo como um todo.

Porquê? A verdade é que em 2019, o trabalho remoto já era (mais que) uma moda. No State of Remote Work of 2019 conduzido pela Buffer, 99% dos inquiridos disse que gostaria de trabalhar remotamente, pelo menos durante algum tempo, durante o resto das suas carreiras. E em 2020, fizeram-no.

Vimos como as empresas foram forçadas a tornarem-se totalmente digitais e como os escritórios foram substituídos por casas. Confinamentos longos mudaram a forma como pensamos sobre trabalho e as viagens. Mas mesmo quando o medo e as restrições relaxarem, é provável que grande parte das equipas não voltem a trabalhar como costumavam. Irão existir mais empresas que oferecem trabalho completamente remoto (mas não serão a maioria) e irão existir várias empresas a oferecer um modelo híbrido.

Acredito que trabalhadores remotos e híbridos podem salvar o turismo, acelerando a recuperação de todo o setor.

Negócios com equipas que não se veem diariamente irão certamente ter de compensar com retiros regulares em equipa e experiências de team building. Isto será crítico para negócios que tentem construir a cultura da sua empresa e reter talento.

O número de vagas de trabalho disponíveis para trabalho remoto também significará que o número de nómadas digitais irá aumentar: e os nómadas digitais já estavam num ponto onde a indústria de turismo já se estava a moldar às suas necessidades.

E até trabalhadores híbridos terão cada vez mais oportunidades de marcar escapadelas para zonas campestres, onde se podem afastar da cidade, mas continuar com o seu trabalho diário, tal como antes.

Portanto, claro, pode ser o início do fim para viagens executivas de Nova Iorque até Xangai apenas para participar numa única reunião de negócios. (Mais realisticamente, essas vão apenas reduzir em número, em vez de acabar inteiramente).

Mas é apenas isso.

Em vez de perecer, as viagens de negócios irão encontrar uma nova vida. Serão democratizadas, atingindo um número muito maior de consumidores. Isso irá criar novos produtos (podemos esperar novas aplicações, e novas funcionalidades em aplicações antigas que sirvam este público) e irá alterar a oferta (wifi 5G em todos os tipos de transportes, talvez).

E com isso, o futuro do turismo será salvo pelo futuro do trabalho: o que está, de facto, já a acontecer. Porque trabalhar longe do escritório, também significa gastar longe do escritório – em voos e comboios, casas e hotéis, bares e restaurantes – quer se esteja a poucas horas de distância ou num continente totalmente diferente.

Várias empresas já estão a viver e a trabalhar no futuro, hoje. Por exemplo, a Revolut está a permitir que os seus dois mil funcionários trabalhem no estrangeiro 60 dias por ano, enquanto a Spotify está a permitir aos seus colaboradores escolherem entre trabalhar no escritório, remotamente, ou num espaço de trabalho conjunto pago pela empresa. Se outros seguirem este exemplo, o impacto que estas tendências terão na indústria do turismo é inegável.

Com o trabalho remoto em cima da mesa, as empresas devem começar a considerar vantagens de maneira diferente e inovadora: muitas vantagens relacionadas com o escritório podem começar a parecer cada vez mais obsoletas, por exemplo. Por outro lado, todo o conceito de férias pode começar a ser diferente de colaborador para colaborador: alguns irão trabalhar para viajar, outros irão viajar para trabalhar.