Ao tomar conhecimento do incêndio que deflagrou na Catedral de Rouen associei-o de imediato ao que quis dar cabo da de Notre Dame de Paris. Notei ainda que era dia de S.Bento, o homem que na sua procura de Deus ofereceu ao mundo a Europa.

O simbolismo da Catedral (entretanto já fora de perigo) levou-me então a um outro homem. Um artista que procurou um novo olhar sobre o real. Ícone do Gótico e do Catolicismo, esta irmã de Notre Dame chegou a ser o edifício mais alto do mundo e foi na sua presença que o impressionismo de Claude Monet ganhou asas e voou.

Essa nova formar de acercar o real inspirou-lhe uma casa em Giverny – com um afluente do Sena como lago, no qual se espelhava  o céu, nenúfares brancos e rosa – mais de 30 pinturas, e não tantas quantos os momentos do dia. Monet terá dito: “Todos os dias eu capto e me surpreendo com alguma coisa que ainda não tinha sabido ver. Que difícil de fazer essa catedral!”

Bento de Núrsia e Claude Monet optaram por um trabalho criativo na procura de uma Luz que desse sentido às suas vidas. Opções que traçaram o destino da Europa e das Artes ao revolucionarem o mundo, nas luzes oferecidas pelo monaquismo e o impressionismo que 15 séculos separam e irmanam.

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Usando um conceito do século XII atribuído a Bernardo de Chartres: “eu sou como um anão sobre os ombros de gigantes”, alargando, digo eu, a minha visão ao infinito. No entanto há uma distinção essencial entre este dois grandes. Um  tem a visão do teólogo, outro a visão do artista. Sendo visões distintas não significa que sejam  visões contraditórias…

S. Bento procurou também a casa adequada para poder conhecer Aquele que já o tinha chamado e prefigurado a vocação. Longe do barulho da cidade instala-se em lugar ermo, dando assim inicio a uma vida comunitária focada em Deus e só n’ Ele. Uma vida que toma como regra o silêncio, não para uma paz feita de nada,  uma ataraxia, mas para o trabalho de melhor ouvir a Palavra, o que irá ter implicações então inimagináveis, mas agora por demais conhecidas _ embora muito  e irrazoavelmente menosprezadas…

A aventura do fundador do monaquismo ocidental, na qual se vem a basear a cultura ocidental, não se dá sem a certeza de que é o próprio Deus que garante o caminho. Um Deus que falou a Abraão, a Isaac e a Jacob, fala agora a Bento e seus companheiros, e a mim que me empoleiro nos seus ombros para tudo ver…

O Deus da Europa é o Deus universal, Logos, Razão, que S.Bento e toda a sua herança multiplica em Escolas, Bibliotecas e Universidades e outras tantas “implicações”, alicerces ou motores culturais. A Teologia e sua filosofia garantem fundamento a todo o saber e ação. E hoje, num quadro mental em que o relativismo filosófico já não é visto como outrora, como uma limitação da razão, mas  antes como uma sua conquista ,  mais do que nunca a filosofia aberta ao transcendente se apresenta como a única que tem incidência existencial.

A visão do artista, por seu lado,  é também a da procura do sentido da vida e da existência. Não de forma discursiva ou na articulação de razões, mas de forma expressiva, no caso de Monet, na pluralidade das cores e  das formas, com a luz vinda de cima e vinda das diferentes horas do dia…

Monet soube destacar a exigência de um olhar pessoal, situado, por oposição ao monolitismo da visão única.  Vinca a necessidade de um olhar único, sem demissões, a exigir um trabalho de ascese, com o foi e é o de todos aqueles que fizeram “sua” a opção de S.Bento.

Usando as palavras de Monet, de que é difícil fazer esta catedral da minha vida, sim é difícil. Mas mais difícil ainda é construir destruindo, ou não construindo, o que não é a mesma coisa.

Dizem-me que para fazer o que quer que seja é preciso um “purpose”. Pois eu, como Pessoa, “a querer, quero o infinito!” .É a diferença entre “acartar” pedras e construir uma catedral, que a dificuldade ou a ausência dela é a mesma…