Pão, batata, massa, arroz; cebola, tomate, couve-flor, alface, brócolos, cenoura, curgete, alho-francês, abóbora, grelos, couve portuguesa, espinafres e nabo; maçã, banana, laranja, pera e melão; feijão vermelho, feijão-frade, grão-de-bico e ervilhas; leite de vaca, iogurtes, queijo; carne de porco, frango, carne de peru, carne de vaca; bacalhau, sardinha, pescada, carapau, atum em conserva, dourada, cavala; ovos de galinha, azeite, óleos vegetais e manteiga. Eis a lista dos 44 alimentos considerados essenciais pelo Governo socialista e que, como tal, terão (ainda que apenas temporariamente) IVA zero.

O facto de chegarmos a 2023 e andarmos a discutir a fixação administrativa de preços mostra que de facto as más ideias são como zombies: nunca morrem e ocasionalmente regressam para nos assombrar. No caso desta disparatada medida será no entanto mais apropriado falar em fixação corporativa de preços já que, como o próprio Governo explica no documento e apresentação da medida: “O Governo vai propor à Assembleia da República, com caráter de urgência, a aplicação de uma taxa de 0% do IVA num cabaz definido de bens alimentares, com a duração de seis meses (…) A distribuição compromete-se a reduzir o preço dos bens alimentares refletindo integralmente a eliminação do IVA (…) A produção compromete-se a refletir os apoios nos preços dos bens isentos, atendendo ao ciclo natural produtivo e a estabilizar (ou reduzir, quando possível) os preços à saída da exploração.

Um arranjo corporativo que assenta em denominados “protocolos de cooperação” através dos quais, ainda segundo o Governo: “A distribuição compromete-se a consolidar as parcerias com os produtores que reflitam os apoios nos preços grossistas.” Como se sintetiza na conta oficial do Governo português no Twitter: “O Governo vai reduzir o IVA em 44 produtos essenciais, uma medida que só é possível graças ao acordo com a Produção e Distribuição assinado esta segunda-feira. Esta é uma forma de controlar os preços e ajudar as famílias a lidar com o aumento do custo de vida.

A medida é disparatada de tantas formas distintas que é difícil saber por onde começar e quais destacar. Mas talvez se possa começar por salientar que reduções discricionárias e temporárias de impostos não podem deixar de propiciar um festival de rent-seeking com elevados custos de ineficiência. O mesmo se aplica, aliás, aos apoios discricionários direccionados a algumas categorias de produtores. Discricionariedades que geram (ou melhor, agravam) também as distorções nos mercados aos quais se aplicam. Sendo que a cereja no topo do bolo é o recurso socialista ao método corporativo, em moldes que provavelmente fariam envergonhar o próprio Salazar. Como bem destacou Susana Peralta: “Não vivi no Estado Novo, mas vivi para o dia em que o governo assinou um protocolo com os distribuidores e os produtores, com honras de direto na rádio e palmas protocolares.

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Um protocolo que levanta também óbvios problemas do ponto de vista da concorrência e da concertação de preços. Como questionou Álvaro Almeida: “A redução do IVA vai funcionar porque o Governo combinou com as empresas como é que os preços serão fixados depois da descida, não é? Mas a concertação de preços é permitida em Portugal? Não é uma violação da Lei da Concorrência?”. Acresce que, na eventualidade de a medida produzir efeito, será de esperar que o aumento da procura (que não é estática) relativamente a esses bens pressione os respectivos preços para aumentarem mais ainda.

É bastante provável que o Governo tenha tido como principal objectivo atender a preocupações detectadas em focus groups e responder de uma forma relativamente low cost a quem clama, de forma politicamente populista e economicamente irresponsável, pelo “controlo de preços”. Mas o disparate que foi aprovado não é inócuo. É aliás bastante perigoso porque gera uma expectativa de “controlar preços” quando o Governo não tem (felizmente) sob sua alçada a política monetária. Se a política inflacionista do BCE continuar, os preços continuarão inevitavelmente a subir, sendo que, face às expectativas frustradas, será depois preciso encontrar bodes expiatórios como a “especulação” e os “mercados”.

Onde o Governo socialista tem efectivas responsabilidades é no fraquíssimo crescimento dos rendimentos em Portugal e no facto de, com a evolução e as políticas socialistas das últimas décadas, o país caminhar a passos largos para ser um dos mais pobres da UE.