Não é de agora que o despovoamento do interior é a questão sociodemográfica mais relevante da atualidade do país. As assimetrias que se vincam entre litoral e interior vão em crescendo e, não obstante as medidas que se vêm adotando, parece não existir retrocesso desta tendência que nos deixa cada vez mais desiguais.

É notoriamente sabido que no nosso Portugal o fluxo migratório ocorre, com maior intensidade, do interior para o litoral, sendo apontadas como causas para o efeito as menores oportunidades de educação e a consequente escassa oferta de emprego, que se acompanha de salários mais reduzidos quando comparados com as grandes metrópoles.

Neste combate ao despovoamento e em prol da coesão territorial, vão-se proclamando medidas tangíveis com o apoio ao investimento e emprego no interior, que, embora importantes, não se revelam bastantes para que se equilibre o saldo migratório nefastamente negativo para as mais remotas localidades, sendo precisamente nestas – pertencentes ao meu interior – que se verificam as maiores fragilidades, que vão para além do interior que os políticos exaltam.

Este último interior de bandeira e propaganda política, das inaugurações e das potencialidades glorificadas em discursos partidários, não extravasa o quid pro quo da política, revelando-se, quem de direito, incapaz de se aventurar às sinuosas estradas nacionais que se desenham para lá das belas e imponentes arcadas das capitais de distrito ou cidades de considerável aglomeração.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Feitas estas delineadas e frequentes curvas, é que se descobre o meu interior, aquele que é gélido no inverno e abrasador no verão, repleto de verde em qualquer estação e tem como seu maior entrave a estagnação. A mencionada traduz-se na principal causa ao despovoamento, encontrando-se o marasmo refletido em todo o contexto socioeconómico, que uma vez enfraquecido denota-se inoperante face ao atenuar das fugas migratórias e, naturalmente, ainda mais incapacitado de combater ativamente pela fixação e manutenção de população nos respetivos territórios.

Para que melhor se entenda, Vila Real – a capital de distrito do território de onde, mui orgulhosamente, sou oriundo – com grande mérito dos seus autarcas, é ao dia de hoje uma cidade de referência nacional, possuindo na sua montra a UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro), que aliada a complementares investimentos dinamizadores da região, como é exemplo – entre outros – o Régia Douro Park, criam condições laborais e académicas para que a sua população não se extravie pelo resto do país e do mundo, e, adicionalmente, fomentam a atração de novos quadros no imediato e numa perspetiva futura que a Universidade prevê.

Por outro lado, o meu interior, consubstanciado numa freguesia pertencente a um concelho do distrito de Vila Real, vive uma realidade díspar, não beneficiando das mordomias e cuidados da polis. Dos poucos mais de duzentos que, permanentemente, cá habitamos, sem grande concertação, mas com elevada organização, vamos gerindo o quotidiano da nossa comunidade, com auxílio e entreajuda que vão surgindo sempre que necessário.

Os mais idosos ficam por cá quase a tempo inteiro, deslocando-se esporadicamente à vila quando em dia de feira, utilizando o refugo de tempo para granjear a terra e dela retirar os seus proveitos, sendo abastecidos pelo padeiro e peixeiro, que passam a dias específicos e já há décadas estipulados. Outra longínqua tradição que ao momento inexiste, era o vulgarmente apelidado “homem das quartas”, um senhor detentor de um comércio ambulante e bastante variado que, tal como o nome indica, por aqui passava às quartas-feiras.

Quando há exceções a esta regra, entram os mais jovens ou os que ainda conduzem, auxiliando os vizinhos com boleias aos ainda longínquos centros de saúde e farmácias, fazendo também recados no recolher de mercearias, sementes ou qualquer outro bem que seja requisitado.

Cá na aldeia, somos – permanentemente – pouco mais de uma dezena na faixa etária dos 0 aos 30. Dentro de 10 anos, caso não se verifique alteração da hodierna tendência, dificilmente seremos muitos mais, sendo que a população global da aldeia certamente diminuirá, o que sucessivamente acontecerá, década após década, até por cá não restar ninguém.

Mais que o interior das capitais de distrito, urge tratar e focar no meu interior e de outras tantas centenas com semelhante realidade por esse país fora, o que se deve realizar com o implementar de medidas que estabeleçam mais e melhores vias de comunicação que combatam o isolamento e impulsionem a natalidade, chamando também os jovens à colação, para que seja estimulada a atividade económica, quer por intermédio do fornecimento de serviços aos isolados idosos, como pela valorização dos produtos locais (castanha, azeite, vinho, mel, entre outros), desenvolvendo-se assim um ideal de prosperidade financeira em torno destas comunidades, que funcionará como fator atrativo para novos residentes, e de regresso para aqueles que outrora e por necessidade, tiveram de partir.

O início de um novo ano, as suas resoluções e desejos, inspiram em cada um a esperança de um paradigma diferente e a ideia de um recomeço. A minha maior expectativa é que no presente ano – que curiosamente também marcará um novo ciclo político – se olhe com mais atenção para o anterior, que se aviste e se compreenda além do contexto citadino. E embora haja quem pense que os boletins só cá chegam por mera formalidade, recordem-se que o nosso voto vale tanto quanto qualquer outro.