Não se fala noutra coisa nos últimos anos que é este direito que aparentemente todos têm de viver em Lisboa – costumo até dizer em tom de brincadeira, no Chiado, porventura a zona mais cara da cidade, mas falemos de Lisboa.

Eu sou lisboeta, tenho 50 anos, trabalho desde os 21 e nunca pude viver em Lisboa. Vivi sempre e ainda hoje vivo, na periferia.

Ao mesmo tempo, e não há muito tempo, a queixa era duma Lisboa degradada, envelhecida, sem vida – o Alojamento Local que veio em muito contribuir para a mudança desta realidade da cidade foi logo atacado. Escrevi sobre isso aqui.

O mesmo se pode dizer do investimento estrangeiro e do turismo – tão desejados e agora tão malfadados! Não há paciência para este país. Nunca se está bem, sobretudo se o vizinho estiver melhor. Os Golden Visa representaram um entrada de capital estrangeiro brutal mas em número de transações não foi tao significativo. Em 170.000 compras de habitação, 1.000 foram para Golden Visa. Para já não falarmos no segmento alvo destes compradores que, infelizmente para a generalidade dos portugueses, não coincide.

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Não só tenho alguma dificuldade em perceber este direito generalizado dos lisboetas a viver em Lisboa como não percebo o que é preciso mais para se identificar as questões de fundo do dito “problema”.

Convém lembrar a quantidade de imoveis que o Estado tem perfeitamente devolutos – pode consultar a lista aqui e são mais de 700 espalhados por todo o país.  A acrescentar a estes estarão muitos outros seguramente, cujo espaço disponível e utilidade pode ser melhorada.

Convém lembrar os milhões de euros em imobiliário que os partidos políticos têm, a começar pelo PCP que, de braço dado com o BE, consideram que a resolução do problema passa pelos privados.

Convém lembrar a esquerda portuguesa que a propriedade privada é intocável. Não sei se já pensaram nisso mas quem comprou uma casa, pagou-a com o seu dinheiro, fruto do seu trabalho, pagou o IMT e o IS, paga o IMI e faz com aquilo que é seu o que bem quiser! Ser seu quer dizer exactamente isso – arrenda, habita, não habita, habita às vezes, empresta ou simplesmente, não faz nada! Em alguns concelhos a prática do aumento do IMI para casas não habitadas já é uma prática. Isto parece-me até inconstitucional. E qualquer politica que force os proprietários ao que quer que seja, será, em minha opinião, inconstitucional. Pelo menos num estado de direito e numa suposta democracia.

Convém lembrar o longo período de congelamento das rendas e das rendas vitalícias. Existem ainda hoje inúmeras casas com rendas vitalícias de 50€, que não pagam nem o IMI, quanto mais obras de melhoramento. Todo o enquadramento legal, mesmo o mais recente, que supostamente pretende proteger o inquilino, só o prejudica. Isto não é óbvio? Vou arrendar uma casa quando a decisão de rescisão está só do lado do inquilino nos primeiros três anos? Quando corro o risco de em caso de incumprimento, demorar meses para retirar o inquilino? Quando me impõe tectos de aumento de renda em cenários de inflação elevada? Quando corro o risco de ter de fazer obras elevadas porque me danificaram a casa? A protecção é só para o inquilino? O proprietário, que é quem paga os impostos relativos ao imóvel, não tem garantias? Nem justiça célere para despejar quem não cumpre?

Será difícil de perceber que toda a “protecção” ao inquilino joga contra ele? Porque os riscos em que o proprietário corre têm de ser cobertos pelo valor da renda?

E por fim, convém lembrar a falta de confiança e a questão fiscal – a permanente ameaça ao sector privado e a elevada fiscalidade (28% de tributação autónoma e insistem no englobamento), retiram interesse a muitos proprietários em aceitarem o risco implícito ao arrendamento, reduzindo a oferta disponível num mercado onde a procura é elevada.

Cereja no topo do bolo? O problema de fundo não é o valor das rendas mas sim a falta de dinheiro disponível da generalidade dos portugueses. O problema real é o Estado que:

  • Impõe uma carga fiscal sobre o rendimento das famílias de cerca de 50%;
  • Impõe às empresas uma carga fiscal que impossibilita salários mais elevados (lembrar o exemplo que até foi ao poligrafo de que para um salário base de 2.700 euros, a empresa gasta 3.368,25 euros, o colaborador leva para casa 1.700 euros, e o Estado fica com 1.668,25 euros;
  • Cria uma instabilidade legal e fiscal que não transmite confiança ao mercado que promova o investimento estrangeiro em indústria ou serviços, antes pelo contrário, vemos as nossas grandes empresas a mudar as suas sedes para países terceiros;
  • Não promove o emprego (privado), promove antes o subsídio e a dependência do Estado;
  • Em plena pandemia, o Estado aumentou em 20.000 os funcionários públicos;
  • Não promove a construção quando um licenciamento demora anos – terão noção de que o tempo tem de ser pago? Por quem compra ou por quem arrenda?
  • Não promove a construção quando a burocracia e a corrupção se mantém em níveis vergonhosos.

O problema não são os estrangeiros ou os proprietários – é o Estado!

(este texto foi escrito antes de 16 de Fevereiro)