Quando a guerra vem para despedaçar famílias e amargurar os nossos corações, cabe a cada nação e a cada pessoa escolher um lado. Nesta guerra, o Ocidente só poderia estar ao lado da Ucrânia, na defesa do direito internacional e do princípio da autodeterminação de um povo de uma nação independente e soberana. O Ocidente deve estar sempre desse lado, unido em torno dos valores da democracia, da liberdade e da segurança física e psicológica de todos os civis.

Mas até onde estará o Ocidente disposto a ir para proteger esses princípios e salvar a Ucrânia?

Até agora, os líderes do Ocidente avançaram com algumas sanções económicas, entre as quais o bloqueio às reservas cambiais do banco central russo, a interrupção do SWIFT, a captura de riqueza dos oligarcas de Putin e o cancelamento do Nordstream 2.

Os EUA anunciaram esta semana a proibição de importação de petróleo e gás russos. O Reino Unido juntou-se a esse boicote e também o vai fazer de uma forma gradual.

Mas a UE continua reticente em ir por esse caminho porque está demasiado dependente do gás e do petróleo russos, que representam 40% e 25% do seu consumo dessas fontes energéticas. O chanceler alemão, Olaf Scholz, fez saber que “neste momento, o abastecimento de energia à Europa para produção de aquecimento, mobilidade, fornecimento de energia e indústria não pode ser garantido de outra forma”.

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Posto isto, enquanto a Europa continuar a importar petróleo e gás russos, que representam 60% das exportações da Rússia, estará a beneficiar a economia e a elite russas e assim a contribuir para financiar a invasão da Ucrânia.

A cada dia que passa, a cada bomba que cai, a cada escola destruída e a cada vida que tomba, o Ocidente volta a ser questionado sobre a sua intervenção, seja no campo económico, onde tem vindo a atuar, seja no campo militar, onde não foi além do fornecimento comedido de equipamento e armas.

A pressão aumenta. No dia 1 de março, Volodomyr Zelensky pediu o seguinte no seu discurso no Parlamento Europeu: “provem que estão connosco, provem que não nos vão deixar, provem que vocês são de fato europeus e, então, a vida vai vencer a morte e a luz vai vencer a escuridão”.

Uns dias depois, a 4 de março, Zelensky acusou a NATO de “fraqueza” por não aplicar a zona de exclusão aérea, afirmando: “sabendo que novos ataques e baixas são inevitáveis, a NATO decidiu deliberadamente não fechar os céus da Ucrânia”, logo “todos os que vão morrer a partir deste dia vão morrer por causa da desunião da NATO”, porque “nem todos consideram que a luta pela liberdade é o objetivo número um da Europa”.

Em resposta, Jens Stoltenberg, secretário geral da NATO, explicou que também é responsabilidade da Aliança Atlântica “prevenir uma guerra que vá além da Ucrânia porque isso poderia ser ainda mais perigoso, mais devastador e iria causar mais sofrimento humano”. Sobre o mesmo tema, Antony Blinken, secretário de Estado norte-americano, acrescentou que a única forma de implementar uma medida desse tipo seria enviar forças da NATO para o espaço aéreo ucraniano, para que pudessem abater aviões russos, podendo despoletar “uma guerra total na Europa”.

Também Boris Johnson afirmou que o Reino Unido não irá “combater as forças russas na Ucrânia”. O mesmo fez Joe Biden no seu discurso sobre o Estado da Nação quando assegurou que as forças Americanas “não vão envolver-se no conflito com as forças russas na Ucrânia”.

Efetivamente, tal como disse Cícero, “uma paz injusta é melhor do que uma guerra justa”. Qualquer passo em falso poderá desencadear uma escalada militar de consequências imprevisíveis, no limite nucleares. Mas qualquer hesitação poderá ser vista como um sinal de fraqueza, aproveitada implacavelmente por um inimigo sem escrúpulos. Este ou outro que esteja atento a esses sinais.

Sim, porque o que está em causa na ação do Ocidente nesta guerra não é somente esta guerra. O que está em causa nesta guerra é saber o que fará o Ocidente sempre que um autocrata decidir invadir um país ou um território independente, democrático e soberano, seja ou não membro da NATO. O que está em causa é toda a jurisprudência sobre o que fará o Ocidente em situações semelhantes. Que sanções económicas aplicará? Quais os critérios para a Europa e os EUA intervirem militarmente? E se fosse uma invasão da Finlândia ou da Suécia que também não são membros da NATO? Ou como esses dois países são membros da UE já se colocariam botas no terreno? O que faria o Ocidente se a China invadisse Taiwan?

Esperemos que o mundo não tenha de responder a todas estas perguntas, para as quais mais do que manuais de direito internacional serão precisas lideranças inspiradoras, corajosas, inteligentes e bem coordenadas.

Seja como for, estas duas semanas de guerra foram suficientes para provocar uma alteração geopolítica na Europa, que terá agora de reforçar a sua independência energética, militar e económica, fortalecendo a sua união e canalizando mais recursos para a sua defesa, indústria, inovação, agricultura e segurança cibernética.

Porque só uma aliança entre os EUA e uma Europa unida, forte e independente, poderá continuar a assegurar a vitória do Ocidente nesta contenda entre as democracias liberais e os regimes autocráticos, evitando que os últimos possam impor os seus ditames políticos e económicos a qualquer país que deseje fazer parte do mundo livre.