Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança; todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades” – Luís de Camões

Portugal é um país repleto de história e tradições, e talvez por isso sejamos tão avessos à mudança. Os séculos passam e em vez de confiarmos no que a incerteza do futuro nos tem para oferecer, continuamos a perpetuar uma propensão para manter o estado das coisas, para a idolatria e para a crença em figuras providenciais. Não faltarão os que por esta altura já adivinharam que tudo se sintetiza no mito sebastianista, essa triste sina que paira sobre um país que continua adiado, à espera de um rei jovem desaparecido que nos resgate o futuro e salve a Nação. Serão, seguramente, várias as causas para o nosso permanente adiamento; o que é evidente é que a espera messiânica, a passividade, e a aversão ao risco estão profundamente enraizados na cultura portuguesa e refletem-se, ainda hoje, de formas variadas, na sociedade contemporânea.

“Cria fama e deita-te na cama” é um provérbio popular português que bem demonstra a forma como em Portugal criamos lugares cativos, muitas vezes construídos no mérito, certamente, talentos esses, porém, que depois são corroídos na imobilidade e nas exigências de “respeitinho”. São vários os casos de pessoas que, não sabendo gerir o fluir do tempo se perpetuam para lá do seu prazo de validade, porque em Portugal “as árvores morrem de pé” e “a idade é um posto”.

A mitificação de certas figuras não é, apenas, promovida pelo próprio, mas também pelas teias de interesses que, mesmo quando o rei vá nu, insistem em prolongar o estado de coisas até que as coisas apodreçam. São vários os exemplos de políticos maiores, empresários, banqueiros, académicos e até presidentes de clubes que terminaram as suas vidas destruindo a sua própria memória e legado, explorados por personagens menores que, como hienas, se alimentam da agonia e do cheiro da morte.

Sou um amante do futebol, e este ano vi cair na mais profunda desgraça duas das nossas maiores referências desportivas. Pinto da Costa foi, seguramente, o melhor dirigente desportivo que o mundo conheceu até hoje. E ninguém tem dúvidas em classificar Cristiano Ronaldo como o maior desportista português de todos os tempos.

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Foi por isso doloroso ver Cristiano a lutar consigo próprio, em negação da sua própria fragilidade, arrastando toda uma Nação, à espera que um sopro de juventude o levasse de novo até ao Olimpo. Como Hércules, porém, ao querer perpetuar-se em campo, em agonia, construiu o seu próprio leito de morte onde se deixou queimar vivo aos olhos do mundo.

Portugal tem uma equipa de futebol recheada de valor, com inúmeros jovens a merecer a sua oportunidade. É só um jogo de futebol, dirão alguns, e com eles concordo. A seleção nacional, porém, é uma boa metáfora de um país que teima em não se renovar, que aceita mal a mudança, convivendo bem com a estagnação. A idolatria que Portugal demonstra pelas suas figuras providenciais não é apenas um marco histórico, mas uma característica contínua que se manifesta nas mais diversas esferas da vida nacional. O culto da personalidade e a dependência de figuras providenciais, seja num rei esperado ou num jogador de futebol, mostra uma nação que luta entre a glória do passado e a falta de coragem de olhar e enfrentar o futuro.

É na capacidade de ver além das aparências e de se adaptar ao que é novo que reside a verdadeira força de um povo. Portugal não vai avançar, seja no futebol, seja nos desafios maiores que o mundo hoje nos coloca, se continuar a atrasar o futuro, se não aprender a equilibrar o respeito pelas suas lendas com a abertura a novas possibilidades, permitindo que outras figuras se afirmem, brilhem, e vivam o seu tempo, no tempo certo. De outra forma viveremos permanentemente adiados, a lamentar o que não vivemos.