O nosso tempo é fértil em estratégias para confundir a opinião pública, quando se pretende lograr apoio para a concretização de interesses vários, sobretudo económicos, ou para fazer vingar ideologias, mostrando a necessidade de mudança na concepção do político e da política.

É mais um sinal deste comportamento estratégico aquilo que se passou relativamente ao “voto de saudação”, apresentado, na Assembleia da República, pelos deputados da subcomissão de igualdade, “aos milhões de pessoas que em todo o mundo marcharam em defesa do reconhecimento dos direitos das mulheres”.

O texto desta saudação, aprovado, por unanimidade, no Parlamento, integra, porém, a par desta defesa (em relação à qual é difícil não se estar de acordo), um apelo “para que todas e todos se empenhem nas conquistas mundiais alcançadas ao nível dos serviços e cuidados contracetivos e a investir nas políticas de saúde e nos direitos sexuais e reprodutivos para todas as pessoas, bem como a apoiar as organizações que os promovem”.

Esta amálgama difusa e confusa de ideias e de propostas aponta, porém, para problemáticas fraturantes da sociedade em relação às quais os cidadãos, no exercício de uma participação cívica, responsável e democrática, já mostraram não haver consenso e existir, até, uma profunda divisão. E, como defende Jürgen Habermas, num modelo democrático de política deliberativa, o poder político não deve o exercício da sua autoridade senão ao mandato daqueles que governa em função do interesse deles, de modo a que estes se possam reconhecer, nas prescrições políticas, como seus autores.

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Resta-nos, assim, para além da perplexidade, perguntar, no exercício de um pensamento crítico, afinal o que podemos esperar dos políticos a quem demos o nosso voto de confiança.

Encontramo-nos, de facto, perante a cativação da democracia, numa evidente e gravosa sujeição do cidadão ao poder político, pondo em questão o peso da sociedade civil e mostrando a crise, não só da democracia representativa, mas também da política e, sobretudo, da razão.

Neste contexto, com que nos vemos confrontados, importa salientar o pensamento de Hannah Arendt que, perante uma possível perda de sentido da política, convida ao exercício de uma cidadania activa, participativa e responsável, numa relação de autêntica proximidade e comunicação entre pessoas, a uma interacção na qual o poder político se enquadra num horizonte não de domínio ou de manipulação, mas de serviço.

Professora universitária