Celebra-se esta sexta-feira, 28 de dezembro, o dia dos Santos Inocentes, porventura as vítimas mais conhecidas de um célebre político, Herodes o Grande (c. 74— c. 4 a.C). Sendo esta carnificina uma das ações mais emblemáticas deste grande estadista, parece também legítimo considerar este como o dia de lamentação e funestação de Herodes, o patrono-malévolo de todos os políticos habilidosos e ambiciosos que frequentemente nos governam, por todos aqueles que sofrem na carne as malfeitorias de todos os seus descentes políticos. Vindo do nada, vencendo enormes dificuldades, Herodes conseguiu chegar ao poder estabelecendo alianças partidárias antes nunca tentadas por um político israelita. Pode, portanto, ser legitimamente considerado o patrono de todas as geringonças.
Favorável à integração romana, não era romanófilo. Apoiante de Júlio César, não era cesarista. Assassinado o ditador, logo se tornou apoiante de Cássio, um dos seus assassinos, mas não porque fosse republicano. De Cássio passou ao inimigo deste, António, e derrotado António por Octaviano deste logo se tornou partidário para mais não o deixar. Porquê? Pela simples razão de Octaviano se ter tornado o omnipotente Augusto pelo resto da vida de Herodes. Não sendo religioso aliou-se aos saduceus, e quando lhe convinha manipulava os fariseus.
Proclamado rei dos judeus em 40 a.C. por vontade de António, Herodes ao regressar à Judeia começou logo por aumentar os impostos. Estes não eram para pagar tributo a Roma, porque a Judeia estava isenta. Mas eram necessários para pagar as construções de palácios faustosos, cidades no meio do deserto e outras obras públicas inúteis para o povo, mas necessárias para o prestígio d’el-rei. Eram também necessários para pagar o fausto indecente da corte e patrocínios políticos necessários para o manter no poder. Herodes sabia que o povo judeu o odiava, e ele pagava-lhes na mesma moeda.
Antes de morrer, prevendo que a sua morte provocaria grandíssimo jubilo entre os seus súbditos, enquanto ele pretendia ser sepultado no meio de lagrimas e lamentações, mandou chamar a Jericó, onde estava, os homens principais de todas as regiões do seu reino. Uma vez reunidos encerrou-os no hipódromo e ordenou que, quando morresse, todos estes ilustres varões, representantes do povo, fossem mortos. Assim as lágrimas ficaram asseguradas para o seu funeral.
Mas esta não foi uma extravagância antes da morte. Herodes foi toda a sua vida um modelo de desumanidade. A lista conhecida dos seus crimes é extensa. Matou políticos rivais, como Antígono e quarenta e cinco partidários deste, bem como grande número de membros do Sinédrio, assim que regressou a Jerusalém em 37 a.C. Matou familiares, a começar pelo seu cunhado Aristóbulo, um rapaz de dezasseis anos, pouco depois de o ter feito sumo-sacerdote, e Maríame, a sua mulher por quem estava verdadeiramente apegado. Escrevendo duas gerações após o evento, um historiador relata que depois da morte da mulher Herodes mandou aos seus servos que a chamassem, a alta voz pelo palácio, para que viesse para o pé dele. Matou os seus filhos Alexandre e Aristóbulo, o que levou Augusto, com a ironia que lhe era conhecida, a dizer, num trocadilho em grego, que mais valia ser porco de Herodes do que seu filho. E, resumindo uma lista longa de mais para enumerar aqui, mandou matar os Santos Inocentes, um ato que se tornou o símbolo da prepotência vã de governos que não sofrem limite ou controlo.
E quem será que limita e controla hoje o nosso governo, que faz aprovar orçamentos e não os cumpre? E quem são os santos inocentes do nosso dia? As crianças em gestação, desmembradas por profissionais do SNS, ou as vítimas de Pedrogão Grande queimadas na incompetência governamental?