Demorou-se décadas para dissipar o estereótipo do ambientalista hippie de higiene questionável, que, num momento de euforia, tinha a pia ideia de se amarrar a uma árvore, gritando em plenos pulmões, qual gibão arrancado à floresta mãe, reclamando direito exclusivo de a manter de pé. Note-se que a árvore até podia estar doente ou ser um perigo para vidas humanas, mas o ambientalista já nessa altura ignorava tudo o que era razão, dados e factos.

Esta caricatura encontra as sua génese na aurora de movimentos pacifistas americanos, na segunda metade do século XX, entrosando-se no pensamento colectivo, durando até há relativamente poucos anos, quando ainda se acreditava que todo aquele que se preocupava com o ambiente, mais dia, menos dia, ia dar-lhe na cabeça e ir amarrar-se a uma árvore. 

O mundo avançou, mudou, ficou mais populoso, mais cheio de gente, menos arborizado, menos selvagem, mas mais rico e mais industrializado. Do seio dos movimentos tecnológicos, urbanos e progressistas, ergue-se uma nova vaga de “ambientalistas”, assumindo muitas formas, facilmente ridicularizados e desprezados.

Por exemplo, esta semana, um fulano mascara-se de velhinha de cadeira de rodas e vai esfregar creme (ou gelado, depende das fontes) no vidro que separa o misterioso sorriso da Gioconda. Nota máxima para criatividade! Chumbo total do seu objectivo.

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Depois outros há que cortam estradas, com cordões humanos, algemando-se uns aos outros. Bloqueiam o trânsito durante horas, fazendo da vida dos comuns mortais um inferno.  Pensam que é o Sr. Armando, na sua senda diária de levar umas couves ao Mercado de Arroios, vindo da outra banda, na sua carrinha a gasóleo que vai reduzir as emissões carbónicas. Sozinho! Salvando assim o planeta! Ponto provado: centenas de motores em ralenti irão emitir mais CO2.

Há aqueles que chamam assassinos a quem degusta o seu bife, fazendo manifestações à porta dum insuspeito restaurante onde o João e a Patrícia só queriam ir para aproveitar o primeiro jantar fora de casa sem os filhos, depois de mais de dois anos sem uma noite a dois.

Imensa é a vergonha alheia sentida em relação a um grupo bem agressivo, mascarado até, que se encerra em magote, projectando vídeos de tortura animal – todos datados, fora de contexto, feitos de propósito, ou gravados em países longínquos.

Os princípios de manifestações deverão sensibilizar para uma causa, granjear apoio junto do público e encontrar soluções para os problemas encontrados. Estes ambientalistas falham em todos os níveis, tornando-se chacota e alvo de desprezo.

Quem realmente se preocupa com o ambiente assume também muitas formas, deixando de ser uma caricatura, para ser um CEO, um académico, um trabalhador anónimo. Este “verdadeiro” ambientalista prático encontra um problema, procura uma solução e luta por ela, por vezes com custos pessoais, económicos, sociais e legais (note-se o trabalho incansável de Arlindo Marques, o “guardião do Tejo”). Quem realmente afasta as gotas do suor da frente para cuidar do ambiente luta contra os elementos, contra ideias e pessoas, mas com objetivos, com clarividência, diálogo e, acima de tudo, trabalho no terreno.

Tantas pessoas que investem o seu tempo e recursos para credibilizar problemas urgentes, ignorados por sociedades e partidos políticos, vêm os seus esforços serem deturpados por um grupo de tolinhos mimados, mal informados, deitando por terra trabalhos de anos ou décadas.  

Quem anda pelas serras deste país a tentar replantar a floresta autóctone, na luta contra a erosão e a desertificação, raramente se vê numa praça com papelinhos ou a bloquear uma estrada. Enquanto isso, estão com as costas ao sol, a escavar buracos, a plantar carvalhos ou a desbastar terrenos repletos de espécies invasoras. Outros estão envolvidos em discussões profundas, definindo o futuro de políticas e estratégias que terão verdadeiros impactos nas pessoas e nas espécies, defendendo ideias e sistemas muito complexos que facilmente encontram resistência ou descrédito. Cada um lutando com as suas armas. 

Há imensas plataformas, locais e maneiras de lutar pelo futuro da nossa casa e há muita gente a fazê-lo. No entanto, com toda a certeza, esborrachar um bolo com creme num quadro famoso é um tiro no pé daqueles todos que querem dar um passo em frente, rumo a um amanhã melhor.

Portanto, caros ambientalistas, deixem o ambiente em paz.