“Comprar como bilionário”, canta a música que me interrompe o vídeo do Youtube. Depois de bloquear o acesso a bloqueadores de publicidade, o Youtube transformou-se num pesadelo. Ao ouvir este jingle que se entrosa e se cola cérebro adentro, penso logo em comprar uma rede social, um mega-iate super poluidor, umas idas ao espaço aos sábados de manhã ou até, sim, cometer a loucura de comprar um T2 sem garagem em Lisboa!

Curioso intrépido, mergulho nesse mundo de compras fáceis e faustosas, como só os bilionários e eu podemos fazer (esqueçam o T2 em Lisboa). Bato com a cabeça no fundo lodoso do que é um site de compras de bugigangas, quinquilharias e pechisbeque. Descubro desta maneira brutal que nem tudo o que está na internet afinal é verdadeiro…

Numa ronda algo aprofundada pelo mundo das taparueres sem marca e roupa que claramente vai ser bem diferente da apresentada na fotografia, noto que o tipo de “bilionário” que vai ali comprar é o bilionário pobre. Mais pobre de espírito e bom gosto, do que financeiramente, diga-se.

Miraculosamente, esta novíssima plataforma consegue pôr-nos à porta tudo e um par de botas, vindas diretamente do outro lado do mundo. Conseguiu-se a extraordinária proeza de encurtar viagens de dois a três meses do Extremo Oriente, para em duas semanas enchermos a casa de porcarias que se partem e se perdem ao primeiro uso. Mas, lá está, é barato! Serviu o seu propósito: uma emissão curtíssima de endorfinas e lá nos sentimos tão felizes por consumir.

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O problema com estas plataformas é a brutal injustiça económica, social e ambiental que traz ao nosso mercado, ao nosso tecido empresarial e a todos nele envolvido.

Durante décadas, as empresas portuguesas que ainda resistem, foram apertadas mais e mais: ele é selos de qualidade, ele é certificados ambientais, ele é reportes ESG (preparem-se, que em 2024 vêm em força), para depois, sorrateiramente, entrar por aí fora um manancial de plásticos, químicos, vapores e métodos de fabrico dúbios, a desbarato.

Há décadas que se brada a necessidade de tornar o nosso tecido empresarial mais competitivo. Mas como, meus senhores? Como? Quando se deixa que tudo entre a preços irrisórios, impossíveis para as nossas empresas, sem controlo aduaneiro, nem alfandegário, como é possível sermos competitivos? Como podemos ser social, ambiental, e economicamente competitivos?

Assim, torna-se ainda mais difícil sobreviver num mundo de tubarões. Com estas facilidades e preços ridiculamente baixos, o comércio, para além da indústria, serão corroídos. E, claro, o meio ambiente: a pegada ecológica desses produtos que desrespeitam tantos métodos de produção obrigatórios na Europa.

Ao som duma música que nos promete comprar como “bilionários”, afogamo-nos ainda mais em itens sem qualidade, poluentes, de plásticos tóxicos. Contaminamos as nossas cidades, as nossas casas, as nossas famílias. Décadas de trabalho, de investimentos públicos, de estudos, de investigação para impedir a produção e comercialização de determinados produtos, do fomento das economias locais e consumo sustentável, para termos acesso a coisas de qualidade, com impactos sociais e ambientais reduzidos, para quê? Para deixarmos entrar por aí adentro tudo o que é nefasto.

Por estas e por outras, caro leitor, “temu” que a sustentabilidade se tenha tornado um verbo de encher, um logro, uma aldrabice, para minha grande tristeza e quando jamais o deveria ser!