O problema da corrupção regressa ao espaço público sempre que surgem casos suspeitos ou o debate político necessita de novos argumentos. Poucas vezes se tenta compreender o fenómeno na sua complexidade e as razões por que as tentativas de o erradicar têm falhado. Segundo a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, 6 biliões de pessoas vivem em países com sérios problemas de corrupção e o fenómeno tem, nos países desenvolvidos, custos superiores a 1,25 triliões de dólares.
A associação entre poder e corrupção é inevitável. O poder permite o controlo dos processos de tomada de decisão e eleva a capacidade de influência. Não faltam exemplos de líderes que utilizam o poder para resolver situações críticas e levar organizações ao sucesso, mas também abundam os casos do seu uso com consequências trágicas. O poder pode libertar impulsos violentos e egoístas, induzir o assédio sexual ou levar ao uso dos recursos em proveito próprio. Isto significa que o poder condiciona para a prática de actos ilícitos? Confirma-se a afirmação de Lord Acton, de que “o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”?
A corrupção é um fenómeno difícil de delimitar, que varia com as culturas e épocas. A maior parte dos autores define a corrupção como a utilização de posições de poder para obter benefícios ilegítimos, para si ou para terceiros. Este fenómeno compreende três ilícitos mais comuns: o peculato, o tráfico de influência e o abuso de poder.
Um estudo recente sobre os efeitos da ascensão ao poder, no comportamento, concluiu que as pessoas começam a adquirir poder mostrando empatia, colaboração e sensibilidade aos interesses dos outros, mas, à medida que o consolidam, desenvolvem atitudes socialmente desajustadas. Em posições de poder é três vezes mais provável interromper o trabalho dos outros, ser agressivo quando se é contrariado, levantar a voz, tratar os outros com rudeza, proferir insultos e tomar decisões sem justificar. Outros estudos indicam que as pessoas com poder são mais preconceituosas, estereotipam os subordinados e escutam-nos menos, relativizam as reacções negativas às suas decisões e estão inclinadas a satisfazer interesses pessoais.
Investigações sobre a reciprocidade corrupta mostram que a corrupção utiliza mecanismos básicos da vida social como a cooperação, a gratidão e a confiança. A cooperação tem uma vertente altruísta, cria laços emocionais e reforça a solidariedade. Mas também está presente na corrupção. As relações corruptas implicam a colaboração das partes para atingir objectivos. Sabe-se que os comportamentos anti-éticos são mais prováveis quando as pessoas que cooperam têm ganhos alinhados.
Curiosamente, a corrupção é também um factor de coesão. Sendo uma actividade ilícita, deve ser mantida em sigilo. Exige, por isso, relações de confiança. Ao mesmo tempo, a manutenção de transacções corruptas reforça a interdependência e o compromisso das partes. Neste sentido, a corrupção apoia-se também na solidariedade e promove-a.
A retribuição de favores e actos de simpatia é estruturante da vida social. Quando se aceita uma vantagem tende-se a restabelecer o equilíbrio com um benefício de igual valor. Espera-se que ajudemos quem nos ajudou. Mas o princípio da reciprocidade também está presente na corrupção: pagar um benefício ilegítimo que se recebeu ou beneficiar o outro para receber uma vantagem. A proximidade familiar e a amizade podem igualmente encorajar discriminações positivas inaceitáveis.
Mas a ocorrência mais comum é o viés endogrupal: beneficiar os membros do seu grupo. A psicologia evolucionista ajuda a explicar esta tendência. Proteger os seus em relação a estranhos favorece a sobrevivência da espécie. Esta hipótese encontra apoio na neurociência. A proteção do endogrupo é influenciada pelos níveis de oxitocina.
Para compreender o fenómeno da corrupção importa também rever a ideia de que os comportamentos corruptos resultam de decisões lógicas e calculistas, ditadas pela maximização da utilidade. A corrupção só ocorreria se os benefícios fossem superiores aos custos esperados. Na verdade, as decisões humanas têm uma racionalidade limitada. Em contextos reais não conseguimos ponderar o custo/benefício de todas as opções possíveis. O esforço cognitivo e o autocontrolo exigidos por uma decisão complexa, esgotam a energia e reduzem o autocontrolo. É então que os mecanismos inconscientes e impulsivos, ao nível do cérebro límbico, passam a controlar a decisão, facilitando a satisfação das necessidades mais imediatas e a cedência a tentações.
Outro mecanismo inconsciente que explica as reações surpreendentes de pessoas envolvidas em atos de corrupção, é a racionalização. Quando se lida com situações em que é possível ser desonesto, mesmo as pessoas mais honestas podem ceder. Quando isso acontece, gera-se uma dissonância ética entre o ato ilícito praticado e a imagem positiva que se quer manter de si próprio. Este conflito leva à procura de “justificações” para tornar o ato ilícito coerente com os princípios que se defendem. São estas “mentiras que se contam a si próprio” que explicam o facto de as pessoas envolvidas em atos de corrupção continuarem a ver-se com uma honestidade a toda a prova, “sentir a consciência em paz” e fazer a apologia da sua integridade. A racionalização leva ao descompromisso moral.
Como se vê, o poder cria condições subjetivas e objetivas que favorecem a corrupção, ao mesmo tempo que é um palco para a expressão amplificada do que há de melhor e de pior, em cada um de nós, colocando-nos perante o dilema: usar o poder em benefício próprio ou em prole dos outros? Este dilema só tem um juiz: a mentalidade ética. Por isso, o poder só corrompe os que se deixam corromper por ele.