A linguagem da economia e da gestão tomaram conta do espaço público e invadiram a vida privada.  Acordamos com as previsões do Governo para a evolução da economia e adormecemos com a sua revisão pelos organismos europeus. Dezenas de indicadores percentuais mantêm-nos a par da evolução de projetos e objetivos cujo verdadeiro significado muitas vezes nos escapa.

Num certo sentido, compreende-se que assim seja. A economia é um pilar essencial da sociedade e determina as várias dimensões do nosso bem-estar individual. Uma gestão eficaz é a única forma de assegurar que as decisões são criadoras de valor. E, como se sabe, o que não pode ser medido não pode ser gerido. Por outro lado, numa sociedade complexa e em rápida mudança prevalece o imediatismo. Há pouca disponibilidade para se ir além das aparências e pensar a longo prazo.

Mas esta linguagem dominante é também uma cortina de fumo que tende a ocultar o essencial: a visão do futuro que se pretende construir, as grandes opções estratégicas em causa, a mobilização das vontades e o sistema de valores que apoia as tomadas de decisão. Têm faltado os atores capazes de protagonizar este papel. É aqui que radicam muitos problemas de fundo que estamos a enfrentar: um acentuado deficit de liderança.

O problema tem-se agravado e manifesta-se a vários níveis. O impulso dos “pais fundadores” para criar uma Europa pacífica, próspera, e solidária tem vindo a perder energia e estamos cada vez mais longe de construir um eleitorado europeu. Os desentendimentos quanto às políticas comuns de defesa e de emigração, a falta de solidariedade no investimento e na distribuição da riqueza e, recentemente, as atribulações no planeamento e na logística da distribuição das vacinas, são prova de que faltam lideranças com projetos claros, agregadores e mobilizadores. Continuam a prevalecer os interesses dos eleitorados nacionais, enquanto a crise engrossa os extremismos nacionalistas.

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O deficit de liderança também afeta as políticas internas. Os exemplos mais recentes entre nós foram a apresentação da Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030 e do Plano de Recuperação e Resiliência aberto para discussão pública. Duas oportunidades para se debater uma visão de longo prazo para o país, as grandes opções para solucionar problemas estruturais de longa data e lançar as bases de um desenvolvimento sustentável. A discussão passou quase despercebida, o assunto foi morrendo e acabou por ser eclipsado pela polémica sobre a gestão dos fundos da “bazuca europeia”… Faltou, uma vez mais, a liderança desta ocasião única para construir uma proposta que modelasse o futuro e conquistasse a confiança dos cidadãos.

A nível empresarial, o deficit de liderança é também uma realidade. Em muitas organizações, as chefias ainda atuam com base na autoridade formal e centram-se na gestão dos processos e das rotinas, quando o sucesso depende cada vez mais de equipas comprometidas e autorresponsáveis, capazes de responder aos desafios da mudança com soluções rápidas e criativas.

O principal obstáculo à solução do deficit de liderança é o determinismo hegeliano de que os líderes são um produto do “processo histórico” e surgem independentemente de qualquer ação intencional. É um facto que a emergência das lideranças é determinada por interações complexas entre o contexto social, o quadro psicológico dos liderados e a personalidade do líder. Mas numa sociedade aberta, as ideias são discutidas, os líderes são eleitos e as competências de liderança podem e devem ser desenvolvidas. Por isso, o aprofundamento da participação democrática e a formação em liderança serão sempre chaves importantes para os nossos principais desafios.