Bem sei que há diferenças entre a política espanhola e a portuguesa. Mas também há semelhanças. Quem estuda política comparada, sabe do que falo. Por isso, há comparações que podem ser feitas.
Para a democracia pluralista poder funcionar correctamente, é fundamental que haja uma igualdade de oportunidades entre as direitas e as esquerdas. Se um dos lados gozar de um privilégio proibido ao outro lado, não há igualdade política. Nesse caso, a democracia pluralista fica coxa, senão mesmo ameaçada.
Quer em Espanha como em Portugal, foi o principal partido de centro esquerda (o PSOE no país vizinho, o PS em Portugal) que abriu o precedente de fazer coligações com partidos radicais de esquerda. Em ambos os casos, isso aconteceu porque era a única maneira de construírem uma maioria parlamentar e poderem governar. Por que razão podem o PSOE e o PS aliarem-se a partidos radicais, e o mesmo direito é negado ao PP e ao PSD? Ainda ninguém conseguiu dar uma resposta satisfatória a esta pergunta.
Nas esquerdas espanholas e portuguesas, há quem argumente que o Vox e o Chega são mais radicais do que as esquerdas radicais espanhola e portuguesa. Mas essa opinião é muito subjectiva e apenas mostra que as pessoas de esquerda preferem o PSOE e o PS no governo do que o PP ou o PSD, independentemente de quem apoia esses governos. Tal como as pessoas de direita preferem o PP e o PSD no governo, mesmo com o apoio do Vox e do Chega.
Só há uma questão que conta verdadeiramente: algum dos partidos radicais constitui uma ameaça ao regime democrático? Ninguém pode afirmar com rigor que o Vox ou o Chega são mais anti-democráticos do que o Podemos Unidos, o partido herdeiro do ETA, ou o PCP e o Bloco. Se o PCP pode apoiar um governo democrático, o Chega também pode. Aliás, na guerra da Ucrânia, o Chega está muito mais próximo das democracias ocidentais do que o PCP.
Mesmo que o Chega ou o Vox não sejam ameaças à democracia, aceito que muitos eleitores moderados não estejam à vontade com a sua presença no governo. Mas há uma boa solução. Se o PP e o PSD tiverem uma maioria absoluta, não precisam do Vox nem do Chega. Em Portugal, o PSD deve pedir a todos os insatisfeitos com o governo socialista uma maioria absoluta.
Se o PSOE e o PS acreditam realmente que o Vox e o Chega são ameaças à democracia, façam um contrato de regime com o PP e com o PSD, como propôs Feijóo na segunda feira no debate com Sanchez, o grande momento do frente a frente que deu a vitória ao líder do PP. Feijóo foi muito claro. Se o PSOE ganhar as eleições, o PP compromete-se a apoiar um governo minoritário socialista para impedir acordos com a esquerda radical. O PSOE faria o mesmo se o PP vencer sem maioria absoluta. Sanchez recusou a proposta de Feijó.
O PSD deve propor um contrato de regime semelhante ao PS. Sem maiorias absolutas de um dos partidos, o outro deve apoiar um governo minoritário para evitar acordos com os partidos radicais. Estou certo de que o PSD estaria preparado para tal acordo. Caberia ao PS clarificar a sua posição.
Se o PS aceitar, um PSD minoritário, mas vencedor, não precisará do Chega. Se o PS não aceitar o contrato de regime, mostra duas coisas. Se for necessário, fará de novo alianças com as esquerdas radicais para governar. E mostra que não considera o Chega uma ameaça à democracia. Apenas usa o fantasma da extrema direita para se perpetuar no poder. Nesse caso, o PSD deve fazer os acordos necessários para governar, com o Chega, com a IL ou com o CDS. Esses acordos serão a garantia de que Portugal continua a ter uma democracia pluralista.