Houve um ponto muito relevante e outro curioso nas reações em Portugal ao resultado das eleições em Espanha. O primeiro foi que a maioria dos analistas passou a olhar para a política em termos de confronto entre dois blocos, as direitas contra as esquerdas, ou as esquerdas contra as direitas. Já quase ninguém acha relevante saber qual foi o partido mais votado. Desde que não haja maiorias absolutas de um só partido, só interessa saber se há uma maioria de direita ou de esquerda.

Em Portugal e em Espanha, também já ninguém acredita em entendimentos entre os partidos que estão mais ou centro, centro direita e centro esquerda, e muito menos em blocos centrais. Os blocos agora só existem à esquerda ou à direita.

Este novo entendimento da política partidária vai inevitavelmente causar uma maior radicalização da política. Resta saber se o momento da radicalização será seguido pelo momento da moderação. Dito de outro modo, as campanhas eleitorais e a formação de coligações são os momentos radicais, em que os partidos mais extremistas radicalizam os mais moderados.

Mas depois, no exercício do poder, no governo, espera-se que os partidos moderados moderem os radicais. Não será fácil. O mais provável é que as coligações façam simultaneamente concessões aos moderados e aos radicais. Veja-se o que se passou com a geringonça em Portugal. O Bloco e o PCP permitiram que o governo socialista seguisse uma política externa e europeia moderada. Mas, em troca, impuseram políticas de costumes sociais radicais, radicalizando o PS.

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O ponto curioso foi que à questão sobre as lições de Espanha para Portugal, muitos responderam com o exemplo de Portugal para Espanha. Dito de outro modo, uma das frases mais repetidas foi: “Sanchez irá fazer uma geringonça em Espanha.” Esta frase ignora as diferenças entre Portugal e Espanha, as quais são demasiado importantes para serem ignoradas. Haveria uma geringonça em Espanha semelhante à portuguesa se o PSOE e o Sumar tivessem alcançado uma maioria absoluta, o que esteve longe de acontecer.

Para Sanchez construir uma maioria parlamentar terá que incluir partidos independentistas. E essa é a enorme diferença entre Portugal e Espanha, e onde as comparações entre os dois países terminam. Não se pode comparar a geringonça portuguesa e uma maioria parlamentar com os partidos que querem a independência da Catalunha e do País Basco. Sanchez poderá continuar como PM, mas para o fazer vai radicalizar ainda mais o confronto entre Madrid e a Catalunha. Vai integrar partidos que colocam em causa a ordem constitucional espanhola e a existência da própria Espanha actual. Seria um acto de uma enorme irresponsabilidade política, e de um egoísmo politico impar, em que a manutenção do poder colocaria em causa a existência do próprio país.

A realização de eleições antecipadas será a única maneira de impedir o acordo entre o governo socialista e os independentistas da Catalunha. Tal acordo causaria uma crise constitucional muito séria. Por isso, o mais provável será os espanhóis voltarem às urnas antes do fim do ano.