No Programa eleitoral do Partido Socialista, vêm duas propostas que são inconstitucionais: uma é que o ensino pré-escolar seja obrigatório; e outra é a imposição de uma rede pública gratuita, no ensino pré-escolar, da qual são expulsos os contributos dos cidadãos, apenas os admitindo transitoriamente como supletivos. São estes os termos das referidas propostas: «Instituir, de forma gradual, a obrigatoriedade da educação pré-escolar a partir dos 4 anos, tendo em conta o seu carácter preditor de aprendizagem de sucesso nos primeiros anos de escolaridade». «Garantir a frequência gratuita da educação pré-escolar a todas as crianças a partir dos 3 anos, investindo na rede pública e recorrendo ao sector solidário e à rede privada de forma supletiva».

Estas propostas violam frontalmente a Constituição e a Lei de Bases do Sistema Educativo, Lei n.º 46/86, a qual, por  mandato da Constituição, interpreta e desenvolve a Constituição e tem valor reforçado sobre toda a legislação ordinária. Para comprovar que as referidas propostas do Programa do PS são inconstitucionais e ilegais, transcrevem-se de imediato as respectivas disposições da Constituição e da Lei de Bases. E assim os leitores poderão julgar por si mesmos.

Da Constituição, recordem-se, em primeiro lugar, três princípios constitucionais fundamentais: o «princípio da liberdade», o «princípio da democracia participativa» e o «princípio da subsidiariedade do Estado». Ora, a proposta do PS viola estes três princípios. Porque impõe obrigações ao exercício de liberdades; porque exclui e marginaliza a participação dos cidadãos; e porque, em vez de um Estado supletivo, impõe um regime de supletividade à participação dos cidadãos.

O princípio da liberdade é violado porque a proposta do PS impõe obrigações à liberdade de educação pré-escolar. A Constituição diz, no art. 43.º, que as liberdades de aprender e de ensinar são garantidas; e diz, no art. 18.º que todas as liberdades constitucionais «vinculam directamente as entidades públicas e privadas». Além disto, o art. 18.º ainda acrescenta que «A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição…». Ora a Constituição só prevê que a liberdade de aprender e de ensinar seja restringida, por imposição de uma obrigação, no caso do ensino básico. Mas não no caso do ensino pré-escolar. Este não pode ser obrigatório. Recordem-se os termos do art. 73.º da Constituição: «Na realização da política de ensino, incumbe ao Estado: a) assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito; b) criar um sistema público e desenvolver o sistema geral de educação pre-escolar». Como se vê, só o ensino básico está previsto como obrigatório. A educação pré-escolar não.

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Quanto ao princípio da democracia participativa, está no art. 2.º da Constituição, onde se diz que o «Estado de Direito Democrático» deve visar, é este o termo, «o aprofundamento da democracia participativas». E sobre o princípio da subsidiariedade do Estado, diz assim o art.º 6.º da Constituição «O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento […] os princípios da subsidiariedade […]».  Ora, a proposta do PS afasta a participação dos cidadãos do sistema público de educação-pré-escolar, porque só os admite a participar a título supletivo. E o Estado assume um sistema pré-escolar monopolista, em vez de ser subsidiário.

Agora, vejamos como a Lei de Bases do Sistema Educativo interpreta e desenvolve a Constituição, com autoridade sobre a legislação ordinária. Diz assim, logo no seu art. 1.º: «O sistema educativo desenvolve-se segundo um conjunto organizado de estruturas e de acções diversificadas, por iniciativa e sob responsabilidade de diferentes instituições e entidades públicas, particulares e cooperativas.» Portanto, de acordo com esta definição do sistema educativo, tanto as iniciativas públicas como as privadas fazem igualmente parte do sistema educativo. E para clarificar que as iniciativas privadas gozam aí inteiramente da sua autonomia, no exercício das liberdades de aprender e ensinar garantidas no art. 43.º da Constituição — onde também se proíbe expressamente que o Estado programe a educação —, a Lei de Bases é expressa em dar ao Ministro da Educação, sobre este sistema, apenas um direito-dever de coordenação, mas não um direito de programação e execução monopolista. Diz assim o mesmo art. 1.º: «A coordenação da política relativa ao sistema educativo, independentemente das instituições que o compõem, incumbe a um ministro especialmente vocacionado para o efeito».

Além disto, a Lei de Bases dispõe ainda o seguinte, expressamente sobre o ensino pré-escolar, nas alíneas que a seguir se transcrevem do seu art. 5.º: «4) Incumbe ao Estado assegurar a existência de uma rede de educação pré-escolar. 5) A rede de educação pré-escolar é constituída por instituições próprias, de iniciativa do poder central, regional ou local e de outras entidades, colectivas ou individuais, designadamente associações de pais e de moradores, organizações cívicas e confessionais, organizações sindicais e de empresa e instituições de solidariedade social. 6) O Estado deve apoiar as instituições de educação pré-escolar integradas na rede pública, subvencionando, pelo menos, uma parte dos seus custos de funcionamento. 7) Ao ministério responsável pela coordenação da política educativa compete definir as normas gerais da educação pré-escolar, nomeadamente nos seus aspectos pedagógico e técnico, e apoiar e fiscalizar o seu cumprimento e aplicação. 8) A frequência da educação pré-escolar é facultativa, no reconhecimento de que à família cabe um papel essencial no processo da educação pré-escolar.»

Esta é a claríssima lei que nos rege, sobre o sistema de educação pré-escolar, que o PS viola frontalmente com as propostas do seu Programa eleitoral.

Finalmente, recorde-se ainda o que a Lei de Bases dispõe sobre o ensino privado, que o PS tanto detesta e combate. Dispõe assim, no capítulo VIII, nos arts. 57.º e 58.º, de que se transcreve o seguinte, em termos corridos, eliminando a numeração que intercala os vários enunciados normativos: «É reconhecido pelo Estado o valor do ensino particular e cooperativo, como uma expressão concreta da liberdade de aprender e ensinar e do direito da família a orientar a educação dos filhos. O ensino particular e cooperativo rege-se por legislação e estatuto próprios, que devem subordinar-se ao disposto na presente lei. Os estabelecimentos do ensino particular e cooperativo que se enquadrem nos princípios gerais, finalidades, estruturas e objectivos do sistema educativo são considerados parte integrante da rede escolar. No alargamento ou no ajustamento da rede o Estado terá também em consideração as iniciativas e os estabelecimentos particulares e cooperativos, numa perspectiva de racionalização de meios, de aproveitamento de recursos e de garantia de qualidade.» E ainda, agora no art. 61.º: «(1) O Estado fiscaliza e apoia pedagógica e tecnicamente o ensino particular e cooperativo. (2) O Estado apoia financeiramente as iniciativas e os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo quando, no desempenho efectivo de uma função de interesse público, se integrem no plano de desenvolvimento da educação, fiscalizando a aplicação das verbas concedidas.»

Dito isto, é impossível não concluir que o PS desrespeita e viola, de modo crasso, a Constituição e a Lei de Bases do Sistema Educativo. Ora, esta violação não se desculpa com argumentos ideológicos contra o ensino privado, como é hábito do PS. Se os representantes do PS vierem um dia a entrar no Governo, serão obrigados pela praxe constitucional a jurar a Constituição. E não a jurar a sua ideologia. Portanto, em vez de cumprirem o que defendem no seu Programa, que é ideológico contra a Constituição, serão obrigados (se não jurarem em falso) a cumprir a Constituição e a Lei de Bases do Sistema Educativo, ambas contrárias ao seu programa.

Mas todos já sabemos que, nas políticas públicas de educação e de ensino, o PS discorda e desrespeita a Constituição e a Lei de Bases, que aliás aprovou com o seu voto, note-se bem, uma e outra, o que prova uma duplicidade política inadmissível em democracia constitucional. De modo que, caro leitor e eleitor, a continuação ou não continuação desta hipocrisia democrática depende de si.