De entre as várias formas pelas quais os bancos ganham dinheiro e conduzem a sua atividade nos dias de hoje, vamos assumir que a principal fonte de rendimento é a compra e venda de dinheiro.

Os bancos portugueses compram dinheiro (essencialmente) a outros bancos no exterior, pagando uma taxa de juro, e vendem cá dentro esse mesmo dinheiro com taxas superiores. Quando pedimos um empréstimo, por exemplo, a taxa de juro que pagamos pelo empréstimo é composta por duas fórmulas: uma taxa indexante e um spread. Mas vamos pôr de lado a taxa indexante e pensar apenas no spread.

Sendo simplista, o spread é o rendimento do banco por nos emprestar dinheiro. Como é calculado o spread? A composição do spread é muito complexa e para o seu cálculo contribuem dezenas de fatores.

Os principais fatores são:

  1. Histórico de crédito;
  2. Situação de emprego;
  3. Rendimentos anuais;
  4. O volume do empréstimo;
  5. A garantia prestada;
  6. Peso do endividamento face aos rendimentos;
  7. Situação política do país (risco sistémico);
  8. Volatilidade do mercado interbancário;
  9. Rácio de incumprimento genérico dos clientes bancários;
  10. O prejuízo do malparado.

Vejamos, um a um, estes fatores face à situação atual do país, começando pelo 1 e pelo 9.

O histórico de crédito individual indica se a pessoa que pede o empréstimo tem algum registo de incumprimento. Tendo, a taxa de juro será imediatamente superior, de modo a aumentar a rentabilidade do banco em cada prestação e diminuir o prejuízo em caso de incumprimento.

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Acontece, que em Portugal a esmagadora maioria dos processos em tribunal são processos executivos, o que nos liga ao ponto 9 (rácio de incumprimento genérico dos clientes bancários). Com a crise do subprime, milhares de famílias ficaram sem possibilidade de pagar os seus créditos e a banca colapsou porque estava demasiadamente apoiada no crédito à habitação. Tipicamente, o valor das casas não desce, sobe. Mas tudo muda e, naquele caso, o preço desceu. Descendo o preço, o valor das hipotecas desceu e os bancos tiveram dificuldade em reaver o dinheiro porque não conseguiam vender os imóveis por preços que permitissem pagar a dívida por completo.

Como reação a este tipo de risco, os bancos desinvestiram no imobiliário. Já todos consultámos os sites de imóveis dos bancos. Todos têm uma opção para filtrar por “imóveis bpi” ou “imóveis cgd”, etc. Mas se hoje forem a estes sites e procurarem com este filtro, vão reparar que é raro os bancos serem proprietários de imóveis para habitação. Desinvestiram, porque desde 2016 que os preços dispararam, entraram numa bolha imobiliária e os bancos não querem continuar expostos a este risco quando os preços das casas caírem.

Se quiserem outro indicador de que isto é verdade, consultem sites de fundos imobiliários e verifiquem que as carteiras destes fundos são minoritariamente compostas por imóveis para habitação. Em alguns casos, nem sequer têm qualquer imóvel para habitação. Resumindo, isto diz-nos que a banca e os fundos imobiliários acreditam que o preço das casas vai cair. O que nos leva para o ponto 5. As garantias prestadas (hipoteca) apresentam um risco de serem depreciadas que é muito elevado. O que leva ao aumento do spread.

Na situação pandémica atual já se perderam milhares de empregos. A taxa de desemprego atual é na ordem dos 8%, mantendo-se cerca de 900 mil pessoas abrangidas por medidas de proteção, como o layoff, de que beneficiam mais de 100 mil empresas. Isto, no país em que o salário médio é de cerca de 900 euros por mês, significa que (vejamos o ponto 2 e 3) a situação de emprego para uma grande parte da população portuguesa é de desemprego, precária ou incerta, o que leva a um aumento do spread ou mesmo à rejeição da concessão do crédito.

Por outro lado, com o preço dos imóveis no pico e salários médios muito baixos, a relação entre o rendimento disponível das famílias e o valor das prestações dificulta o cumprimento dos empréstimos… o que leva ao aumento do spread. Sobretudo, quando (ponto 4 e 5) o montante do empréstimo fica em risco de ser garantido pela venda do imóvel dado em hipoteca, na medida em que é expectável que o preço caia.

Diríamos que, genericamente (ponto 6 e ponto 9) a precariedade da situação laboral generalizada, os rendimentos baixos, os valores altos dos imóveis, e a perspectiva de queda dos preços das casas são tudo fatores que aumentam o peso do crédito nas finanças familiares e levam a um aumento generalizado do incumprimento das prestações ao banco.

Aqui chegados, percebemos porque é que as moratórias aos bancos foram uma medida paliativa importante para evitar o colapso imediato dos bancos. Importante, porque evita o incumprimento generalizado abrupto registado na contabilidade dos bancos.

Reparem que “não pagamento” e incumprimento são, contabilisticamente, coisas diferentes. Este “não pagamento” é autorizado e, como tal, não tem que ser registado na contabilidade dos bancos como “crédito malparado” ou como imparidades.

Há regras apertadas para estes casos de incumprimento. Os bancos são obrigados a fazer provisões de cada vez que um contrato de crédito é incumprido. Fazer provisões é, essencialmente, colocar dinheiro de parte para garantir que se aquele empréstimo não for pago, existe liquidez no banco para pagar o dinheiro que o próprio banco teve que pedir emprestado. Ora, este é o prejuízo do malparado (ponto 10).

É que os bancos, como vimos no início, ganham dinheiro a pedir dinheiro emprestado e a vender esse dinheiro mais caro e dinheiro parado não dá lucro. Está “malparado”. E o aumento do malparado leva… ao aumento do spread para compensar as necessidades de realizar provisões.

Todos os fatores que vimos até agora indicam que vai haver uma forte necessidade de aumentar o spread. Mas há medidas que os Estados podem adotar para evitar que as taxas de juro aumentem. Algumas, direta ou indiretamente relacionadas com o valor da moeda, mas que no caso de Portugal não são possíveis porque estamos no euro.

Mas há outras, como a compra de dívida como forma de gerir o passivo público e libertar dinheiro para apoiar o investimento público. Nos EUA, o FED fez isso. É o “quantitative easing“. E o Banco Central Europeu já estava a fazer isso antes da pandemia. Desconhecendo se haverá ou não capacidade financeira para continuar com esta política paliativa, fala-se já da injeção direta na economia através da famosa bazuca.

Certo é, que (ponto 7) o país entrará numa situação financeira de onde não terá capacidade para sair sem apoio externo e quem é que gosta de ouvir falar de “apoio externo” depois da crise de 2011? Chamemos-lhe troika ou bazuca. Estamos dependentes do exterior e não somos soberanamente independentes de resolver os nossos problemas económicos.

E esta incapacidade, esta insuficiência e dependência tem um efeito nos spreads. Como os bancos estrangeiros emprestam aos bancos portugueses, e em Portugal não temos capacidade para resolver os nossos problemas, eles próprios duvidam da nossa capacidade e aumentam o preço do dinheiro. O que leva a que o preço do dinheiro ao cliente final aumente, sobretudo em tempos nunca antes vistos e com efeitos na economia ainda por apurar. Se há coisa que é certa, é que a incerteza gera volatilidade (ponto 7) e a volatilidade é sinónimo de risco e a moderação do risco faz-se… aumentando o preço do dinheiro.

Todos estes fatores, que considero serem os principais na determinação do preço do dinheiro, indicam que o preço do dinheiro vai aumentar num país que já não tem como pagar o que deve. E se o malparado já está em picos históricos, não é agora que vai melhorar.

Vamos assistir a uma necessidade extrema da banca em retificar incumprimentos. Às vendas apressadas de imóveis com créditos em risco, aumento do volume de processos executivos nos tribunais, conversão de aquisições de imóveis em arrendamentos e à precariedade da situação laboral e financeira das famílias acrescerá a precariedade da situação habitacional.

O problema é que os últimos 10 anos foram um paliativo. O Estado viu no turismo e no imobiliário um biscate para financiar a crise, quando devia ter pensado em formas de dotar a nossa economia de ferramentas que nos permitam ser verdadeiramente independentes. Soberanos.

Qual é a saída para isto? Numa palavra: indústria.

Mas isso fica para um próximo artigo.