O que é que aconteceu à candidata presidencial aos EUA- Kamala Harris? Todas as expectativas em torno da possibilidade de ter pela primeira vez uma mulher, com ascendência multirracial, na liderança dos EUA fez correr muita tinta (e imagens) ao longo do mundo. No entanto, apesar de todas as sondagens indicarem um empate técnico, Kamala Harris acabou por sofrer uma tremenda derrota a favor do seu opositor – o excêntrico Donald Trump.

A questão que merece então alguma reflexão é: o que aconteceu? Permitam-me que faça uma análise do ponto de vista do marketing. Como já sabemos, a adoção de uma boa estratégia de marketing é crítica não só para as marcas, mas também para os políticos. E apesar de todos aqueles que desejavam Kamala Harris tivesse ganho virem agora dizer que era uma missão quase impossível com apenas 4 meses de campanha, durante os quais teve também de lidar com algumas gafes de Joe Biden, penso que o problema principal esteve mais relacionado com uma má estratégia de marketing. Façamos uma analogia com as marcas, passando a pensar na candidata Harris e no candidato Trump como produtos/marcas a tentar ganhar quota de mercado (aumento de vendas = aumento de votos).

Uma das premissas críticas que ensinamos num curso introdutório de marketing é que quanto melhor as marcas entenderem as necessidades dos seus consumidores, maior é a sua capacidade de segmentar o mercado e de definir um posicionamento consistente para obter diferenciação.

E o que é que a Kamala Harris fez? Ao invés de tentar perceber as necessidades de todos os Americanos de modo a definir qual a melhor forma de se posicionar na mente daqueles vários milhões de “potenciais consumidores”, aumentando a probabilidade de sucesso, focou-se num tema muito particular: a saúde reprodutiva feminina, que efetivamente só corresponde às necessidades e preocupações de um segmento muito específico dos seus eleitores. Do outro lado da barricada, o seu opositor optou por uma estratégia oposta – a de focar a sua mensagem na Economia e no combate à Imigração ilegal, assuntos e preocupações que são transversais à maioria dos americanos que experienciaram nos últimos anos uma subida da inflação e viram o seu poder de compra a diminuir. Ou seja, focou-se nas necessidades daqueles que o poderiam eleger, e isso pode ter contribuído para o estrondoso sucesso que conseguiu obter.

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Segundo erro: Kamala tomou por garantido que por ser mulher, teria o apoio das americanas. Isto é a mesma coisa que assumir que por ser uma marca portuguesa, terá a preferência de todos os Portugueses face a outras marcas no mercado. Ora sabemos que não é assim que nos comportamos, certo? Enquanto consumidores procuramos as marcas que melhor se diferenciam e que nos criam valor. Provavelmente não iríamos todos deixar os nossos iphones ou samsungs simplesmente porque surgia uma marca no mercado com a qual partilhávamos algum tipo de comunidade. Foi um mau pressuposto. Além disso, assumiu que a questão dos direitos reprodutivos das mulheres seria um assunto em relação às quais todas as mulheres seriam sensíveis e coniventes. Mas, como dizia uma luso-descendente numa entrevista a um dos canais televisivos portugueses, “felizmente não é um assunto que me preocupa, estou muito mais preocupada com a economia”. Ou seja, Kamala posicionou-se quase como se fosse “A” candidatas das mulheres, sem reconhecer que estas podem ser agrupadas em diferentes segmentos com necessidades muito especificas.

Terceiro erro: parece ter assumido também que o facto de ter ascendência indiana (mãe) e jamaicana (pai) faria com que as inúmeras comunidades étnicas existentes na população americana (ex.: Afro-Americanos e Latinos) se identificassem de imediato com ela e a considerassem como sua representante. Acontece que a sua ascendência e origem não reflete a generalidade dos elementos desta comunidade. Os pais conheceram-se na Universidade de Berkeley, obtiveram ambos o Doutoramento e prosseguiriam carreiras de sucesso, a mãe como investigadora na área do cancro da mama e o pai enquanto professor de Economia na Universidade de Stanford. Isto per si coloca-a num mundo à parte das comunidades em que assumiu haveria uma identificação com a sua raça. Ou seja, eram mais as diferenças do que as semelhanças, pelo que também os deveria ter tratado como um segmento com necessidades particulares, propondo medidas concretas que fossem atrativas para estas comunidades.

Quarto erro: a não adoção de um slogan que transmitisse uma mensagem concisa e eficaz, que comunicasse associações positivas de modo a ganhar um espaço diferenciador na mente dos eleitores. Temos de reconhecer que o excêntrico Trump adotou um slogan feliz – Make America Great Again! É um slogan que apela ao sentimento patriótico, sendo aspiracional e positivo. O que fez Kamala? Adotou o slogan “Harris for President” seguido de “When we fight, we win”. Que mensagem passa este slogan? O que nos diz sobre as suas intenções enquanto potencial futura Presidente dos EUA? Eu diria que nada. Além disso, não me parece que a ideia da luta (“fight”) contribua para uma imagem de estabilidade, de consenso, de bom posicionamento a um candidato presidencial. Quem não se lembra do slogan de Obama? “yes, we can” – todo ele positivo, aspiracional, a passar uma imagem de união. As diferenças entre ambos são notórias e podem também ter contribuído parcialmente para a derrota de Harris.

Por último, as marcas de sucesso tentam criar fatores distintivos únicos, diferenciando-se dos seus concorrentes através de um posicionamento e uma proposta de valor forte. Kamala Harris, na reta final da campanha, optou por apelar ao voto como o voto do contra (votem contra o Trump!) ao invés de explicar razões pelas quais os americanos deviam confiar nela para Presidente. Temos pena Kamala, mas infelizmente não foi um bom marketing.