As previsões são difíceis, especialmente relativamente ao futuro, como alguém terá dito. E o ano de 2020 mostrou bem a importância do acaso na política global. Podemos, apesar de tudo, antecipar algumas das tendências importantes no próximo ano de 2021, no que diz respeito à pandemia, às relações EUA-China, às grandes tecnológicas, ao populismo e ao tribalismo identitário, e ao clima.

Uma pandemia sem fim à vista

Este é o primeiro grande dado a ter em conta na política global deste ano de 2021: a pandemia de Covid-19 está longe de ter chegado ao fim, por muito que todos nós desejemos o contrário. A este respeito há que ter muita prudência. Ainda não sabemos qual o grau de eficácia efetiva das diferentes vacinas, e não sabemos também que mutações poderá sofrer o vírus, onde e com que efeito. A evolução da pandemia até ao final de 2020 pareceu mostrar alguma vantagem relativa na resposta à doença na Ásia (Taiwan, China, Nova Zelândia, Singapura). Os EUA, o resto das Américas e a Europa enfrentaram mais dificuldades, com África aparentemente menos afetada. Mas esta é uma realidade dinâmica.

A única segurança que podemos ter relativamente a esta questão, em 2021, é que haverá enorme vantagens, internas e externas, económicas e outras, para os países que conseguirem fechar a porta da Covid-19 o mais depressa possível. A agenda da presidência portuguesa da UE parece estar, diga-se, ciente desta realidade. Até a pandemia estar definitivamente controlada, os principais líderes mundiais poderão até declarar outras prioridades, mas dificilmente deixarão de ter de atender em primeiro lugar a esta, com uma eficácia que todos iremos avaliando atentamente.

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Um novo presidente dos EUA e uma nova Guerra Fria com a China

Em 2021 iremos começar a perceber que diferença fará um presidente Joe Biden na política interna e externa dos EUA.Isto, partindo do princípio, em que quero continuar a acreditar, de que as instituições norte-americanas saberão manter a norma da alternância pacífica na presidência que se tem verificado nos últimos duzentos anos. Sabemos que a margem de manobra interna do Presidente dos EUA é relativamente limitada, mas ao nível da política externa ela é muito substancial. Ora, a este respeito a questão crucial será saber como se irá posicionar Biden face à China. A rivalidade crescente entre a potência ascendente da China e a potência tradicionalmente dominante dos EUA será um dado geoestratégico estrutural, não apenas em 2021 e nos próximos anos, mas nas próximas décadas. Este é também um dos raros pontos de consenso entre Republicanos e Democratas. O que não significa que os EUA tenham opções fáceis para fazer frente à ascensão da China. Não poderá haver um simples regresso às velhas regras da Guerra Fria, vigentes entre 1946-1991, entre a defunta URSS e os EUA. Porque nunca há regressos ao passado. E porque a China não é a Rússia, embora sendo igualmente um regime ditatorial, ela é, porém, um país muito mais rico, dinâmico e cada vez mais importante na economia global, como cliente e investidor. As escolhas a que esta disputa crescente entre os EUA e a China irão obrigar os demais países serão difíceis e custosas, nomeadamente para a velha Europa de que fazemos parte. Mas serão escolhas cada vez mais inadiáveis.

O tribalismo identitário e o populismo em crescendo

As tentativas inéditas e chocantes do Presidente Trump para impedir uma alternância pacífica na presidência dos EUA são mais um sinal do peso crescente na política global do tribalismo identitário e do populismo nacionalista. Estas são tendências que, por natureza, são difíceis de prever. Se há algo que caracteriza os líderes populistas é a imprevisibilidade, é singrarem desafiando normas e leis, atacando e minando as instituições. Mas será preciso acompanhar com atenção esta tendência, desde logo, o seu peso nas eleições que iremos tendo ao longo de 2021 por esse mundo fora, onde algumas das principais potências são governadas por líderes com este perfil. E será preciso acompanhá-la também na Europa, desde as presidenciais em Portugal, até às legislativas nos Países Baixos e na Alemanha. Uma pandemia e uma crise económica colossal têm grande potencial para destruir expetativas legítimas, acirrar descontentamentos, alimentar radicalismos de esquerda e de direita, e fomentar conflitos. A prevalência da lógica de “nós contra eles” será a pior possível neste contexto de pandemia e de outros desafios e ameaças que exigem respostas globais e cooperativas. Mas também é, diz-nos a história, uma possibilidade bem real, sobretudo, se as elites governativas e económicas forem culpadas por uma resposta interesseira ou ineficaz.

Contra as Big Tech marchar, marchar

Em 2021 será importante estarmos atentos aos sinais de tensões crescentes entre Estados e grandes empresas tecnológicas na nossa Europa, mas também nos EUA e até na China. Essas tensões irão continuar? Elas irão resultar nalgum resultado concreto significativo? Uma das tendências mais importantes das últimas décadas, que se acelerou com a pandemia da Covid-19, tem sido a crescente digitalização, não apenas das nossas economias, mas também das nossas vidas. Isto tem ido de par com uma enorme concentração de poder nas mãos de empresas colossais que controlam mais riqueza, mais capacidade de inovação, e mais informação sobre a vida das pessoas que a maioria dos Estados. Ao longo de 2020, desde o Congresso dos EUA, até à Comissão Europeia, passando pelo Partido Comunista Chinês, houve sinais crescentes de que esta concentração de poder nas Big Techs começa a ser vista como uma ameaça que não pode continuar sem uma reação forte. Há quem defenda simplesmente a sua dissolução, como os cartéis norte-americanos da chamada Gilded Age. A importância do crescimento económico e da inovação tecnológica – do 5G até à Inteligência Artificial, passando pela robótica e a computação quântica – que os apologistas destas empresas tecnológicas não deixarão de alegar, poderão travar a escalada neste confronto. Mas, para além de sabermos onde está Jack Ma, o dono da maior tecnológica chinesa ausente em parte incerta, importará sobretudo sabermos para onde irão as relações entre os Estados e as grandes tecnológicas, em 2021 e nos anos seguintes.

E sobre o clima, nada?

Uma questão que se recusa a desaparecer é a do impacto das alterações climáticas. Mas um dos desafios fundamentais para se lidar com este problema tem sido, precisamente, que os custos de uma mudança estrutural são muito grandes no presente, para os Estados e para todos nós, e os ganhos estarão num futuro mais distante. Apesar da crescente e alarmante frequência de eventos climáticos extremos e consequentes emergências humanitárias, esta tema ainda tende a ser uma vítima da tendência para nos focarmos em questões pelo menos aparentemente mais urgentes ou inadiáveis. Sabemos que é suposto 2021 terminar com mais uma das grandes cimeiras globais sobre o clima, em Glasgow, na Escócia. Esta será uma ocasião para a Grã-Bretanha pós-Brexit brilhar. Veremos se serão tomados compromissos concretos e significativos nesta área vital para o nosso futuro. Veremos se a tensão entre a China e os EUA afetarão a cooperação neste campo. Veremos se esta não será mais uma vítima da pandemia, do populismo, do tribalismo identitário. Infelizmente, a única coisa que podemos prever, com base na história, com toda a confiança, relativamente à política global, em 2021, é que termos certamente de enfrentar importante eventos imprevistos.