Foi a 4 de Maio de 2014, completaram-se agora sete anos, que o então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho anunciou que o Programa de Ajustamento Económico e Financeiro ia ser concluído sem que Portugal precisasse de um plano cautelar. Na altura, o vice-presidente da Comissão Europeia Siim Kallas afirmou, entre palavras de apoio, que era necessário manter os “níveis de ambição” nas reformas da economia para se “consolidar e prolongar o sucesso do programa a médio e longo prazo” e atingir um maior crescimento.

Entretanto chegou o governo do PS, apoiado pelo PCP e pelo BE, pagou-se o mais depressa que se conseguiu o que se devia ao FMI, para acabar com aqueles desconfortáveis exames, e as mudanças com que o país se havia comprometido foram atiradas para o lixo. Umas, como a reforma da administração pública e todo o seu sistema de avaliação e progressão na carreira, votada ao esquecimento. Outras igualmente negadas como desnecessárias, como mudanças nas pensões e na saúde. Outras ainda, como a melhoria da justiça administrativa e fiscal foram andando sem grandes mudanças.

As recomendações para se avançar com as reformas foram sempre aparecendo no quadro do exercício do semestre europeu – como se pode ver aqui –, mas totalmente ignoradas. Qualquer tentativa de alerta servia para o Governo fazer as mais variadas declarações de intenções a quem protagonizava esses avisos. Durante praticamente os últimos cinco anos, o Governo permitiu-se usar uns truques para controlar as contas públicas e assim demonstrar que não eram necessárias reformas nenhumas porque se tinha conseguido um milagre. O primeiro excedente orçamental era um almoço grátis.

Afinal não era, porque quem não acredita em milagres também sabe que não há almoços grátis (Uma nota pessoal: lembro-me bem das críticas, algumas insultuosas e invariavelmente com declarações de intenções, de que fui alvo quando na altura alertei para a impossibilidade de se conseguir controlar as contas públicas sem medidas mais estruturais e dolorosas e como depois fui mostrando como se estava a controlar o défice à custa da degradação dos serviços públicos. Sim, foi politicamente muito inteligente mas nada resolvemos).

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Infelizmente para todos nós, a pandemia expôs o estado em que estava o Serviço Nacional de Saúde, da falta de recursos humanos e técnicos à desorganização. E a necessidade de suportar a economia basicamente através de empréstimos com garantia de Estado mostrou como as contas públicas estavam longe da correcção que poderiam já ter sido feita, se a política económica e financeira tivesse sido mais corajosa.

A reforma do Estado ficou por fazer, mesmo tendo todos a consciência de que é financeiramente impossível aguentar os compromissos subjacentes às regras de progressões nas carreiras – optou-se por ir atirando o problema para a frente. Nas pensões o PS foi resolvendo o problema acusando Pedro Passos Coelho de querer cortar pensões e dizendo que estava tudo bem. Quando se sabe bem que não está tudo bem, como o demonstra o recente trabalho da Comissão Europeia: como escreve Edgar Caetano, as reformas vão cair para metade e a diferença entre o salário e as pensões vai alargar-se. Juntemos a isto o facto de 60% dos trabalhadores portugueses (2,1 milhões de pessoas) ganharem menos de 800 euros e vejam aquilo que estamos a construir.

Mas agora temos de novo a promessa de reformas Como já várias vezes se tinha alertado, uma das condições de acesso aos subsídios do Plano de Recuperação e Resiliência é cumprir as recomendações integradas no semestre europeu. Sobre o sistema de pensões diz-se claramente que existe um sério risco de a melhoria nas contas ser explicada pela conjuntura, ou seja, é cíclica. Sobre o sector da Saúde, afirma-se ser motivo de preocupação a sustentabilidade financeira do sistema. As barreiras à entrada em algumas profissões – uma guerra que a troika perdeu – continuam, fruto do poder que se deu às ordens. A burocracia é outro dos alertas, afirmando-se que o Simplex não conseguiu obter progressos no domínio do licenciamento. Finalmente a Justiça, designadamente a administrativa e fiscal, com os seus prazos inqualificáveis.

Pelo menos nestas áreas o Governo vai ter de fazer alguma coisa. Pelo menos é isso que está a prometer na Saúde, começando por reconhecer os problemas e a recuperar algumas das medidas da era da troika, como revelou o Expresso. Veremos ainda certamente reduzirem-se os poderes das ordens – ainda recentemente a Ordem dos Médicos impediu, sem racionalidade, que se aumentasse a oferta de formação de médicos, expondo que tem excesso de poder.

Quando não resolvemos um problema ele apanha-nos sempre lá à frente ainda maior. Perdemos quase cinco anos, em que o Governo fingiu que não era preciso mudar nada, que bastavam umas cativações de dinheiro nas áreas que poucos identificavam, ao mesmo tempo que se alterava cirurgicamente as regras dos impostos para cobrar mais dinheiro, e o problema ficava resolvido. Não ficou, esteve debaixo do tapete. A pandemia levantou o tapete e expôs as fragilidades na Saúde. E agora, para recebermos os subsídios, temos de os pagar com as reformas que o Governo não quis fazer. E assim regressam as políticas e reformas defendidas pelos economistas que construíram o plano da troika. Vamos ver se é desta que há coragem política para de facto melhorar a nossa vida.