Talvez as razões dadas por João Cotrim de Figueiredo para sair da presidência da IL não sejam as mais fidedignas. Mas aquela que diz respeito à eventualidade de as próximas eleições legislativas serem antecipadas é sem dúvida interessante. Cotrim de Figueiredo achou que seria uma razão plausível, e ninguém, com efeito, a tratou como estapafúrdia. É curioso: a maioria absoluta socialista tem nove meses. Que me lembre, ninguém em Abril de 1988, nove meses depois da primeira maioria absoluta de Cavaco Silva, estava a prever eleições antecipadas. Por vezes, o tempo acelera em política. Aconteceu agora. Passaram nove meses, mas é como se tivessem passado nove anos.
O novelo em que está António Costa ficou à mostra na quarta-feira, no primeiro dia do debate sobre o Orçamento de Estado para 2023. Por um lado, Costa criticou o BCE por subir as taxas de juro; por outro lado, incitou o BCE a combater a inflação. Acontece, como já todos sabem, que subir juros é a maneira de os bancos centrais combaterem a inflação. Costa também sabe, claro. Mas está na situação do homem que, entre o fogo e a frigideira, não sabe o que escolher. A inflação, caso se consolide, vai tirar-lhe os meios para disfarçar o empobrecimento numa economia estagnada: bem pode fazer acordos a prometer aumentos de 5% de salários, porque uma inflação de 10% ou de 7% depressa mostrará as perdas reais por detrás dos aumentos nominais. Mas a elevação das taxas de juro, para um dos Estados mais endividados do mundo (atingiu, com Costa, um recorde histórico de dívida em 2021), pode pôr os credores a duvidarem da capacidade portuguesa de honrar os seus compromissos, e comprometer o crédito do Estado, e, por contágio, o das empresas e dos particulares. Ou seja, se a inflação é a doença e a subida dos juro a cura, restará a Costa optar entre morrer da doença ou da cura.
Em sete anos, António Costa aumentou insistentemente a despesa do Estado (de 86 mil milhões de euros para 113 mil milhões). Menos por causa dos serviços públicos, e mais por causa dos empregos e prestações públicas com que procurou alargar as suas clientelas eleitorais. A dependência financeira externa, porém, obrigou-o a apresentar “contas certas”. Por isso, manteve os impostos e as contribuições do tempo da troika, e “cativou” o investimento público. Em consequência, Portugal foi um dos países que menos cresceu entre os países que estão abaixo da média de riqueza da UE. No entanto, uma inflação historicamente reduzida deixou o governo fazer a festa com aumentos de pensões de 5 euros. Tudo isso acabou: os juros a subir exigem mais consolidação, e a inflação come os rendimentos. A maneira como a oligarquia socialista governou até agora está comprometida. Que resta a António Costa? Alguém lhe deve ter dito que lhe convém empunhar o que, nos estúdios de televisão, passa pitorescamente por “bandeiras da direita”. Na quarta-feira, não falou apenas de “contas certas”, mas de “ambição reformista”. Esta usurpação de temas é patética. O PS não pode fazer “reformas”, porque o poder socialista assenta no peso do Estado, e as “reformas” significam reduzir esse peso. Nunca poderá sair do labirinto de “incentivos” e de “excepções” negociados com esta ou aquela corporação.
O mundo mudou. O poder socialista não. Está preso no mundo antigo. É, em todos os seus aspectos, um cadáver adiado. Costa e os seus correligionários são os primeiros a reconhecer isso quando, para se defenderem, voltaram na quarta-feira a ser a oposição ao governo de 2011-2015. Ao contrário do que foi dito, não estavam a falar do passado. Estavam, de facto, a falar do futuro, antecipando o momento de regresso à oposição. É isto que temos em Portugal: um governo que já não é mais do que a oposição, ainda sentada nos ministérios, ao governo que há de vir a seguir. Quanto mais depressa esse novo governo vier, melhor.