Do pouco que li até agora sobre os resultados das eleições de domingo passado, o melhor foi a crónica de Luís Rosaque resume o essencial. Vou tentar acrescentar algum pensamento.

O PS e o Dr. António Costa ganharam as eleições de forma esmagadora e sem nenhuma margem para dúvidas. Parabéns. Estou convencido que os “truques” de aumentarem o salário mínimo, as pensões e o “cheirinho” do aumento de 0,9% para os funcionários públicos, no mês em que as eleições decorriam, foram muito mais impactantes para a formação da escolha do voto do que a gestão da pandemia, essencialmente sofrível a todos os títulos. A decisão de dissolver a Assembleia e manter o governo em funções, não sei se em conluio com o líder do PS, foi uma escolha que também premiou o Presidente da República. Assegurou, com o resultado final, a estabilidade que tanto queria.

A vitória absoluta do PS foi a consagração do terceiro melhor cenário possível, no meu entender. O melhor, teria sido a mirífica maioria absoluta do PSD. O segundo melhor seria uma maioria de deputados entre PSD, IL e CDS, outra fantasia minha. Um País pobre e com eleitorados empobrecidos tende a conservadoramente votar na segurança de quem lhes garante o dourado dessa mesma pobreza, a do pão com azeitonas e um copito de vinho.

A maioria absoluta do PS de António Costa é a vitória de um PS que soube ser moderado q.b., demagógico na medida certa e Europeu. Acima de tudo foi o enterro político do Eng. José Sócrates. O PS livrou-se definitivamente dele. Já há outro líder a poder gabar-se da conquista da maioria absoluta e que um dia também há de ser um passado para o partido respeitar. Pode haver socratismo, “ideologia” que não se deveria confundir com apropriação ilegítima de capital, mas o Eng. José Sócrates deixou de ser tema para o PS, tal como não deve ser para a oposição. Os tribunais lidarão com os assuntos privados do Sr. Engenheiro.

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É mesmo muito significativo que a condução da política de saúde que os dois anteriores governos fizeram, apesar de muitas vezes desastrada, não tenha penalizado o PS. Além do mais, este dado permite-me reafirmar que ainda há um capital de memória e confiança no SNS que é preciso aproveitar e desenvolver. É provável que a mentira de que o PSD quereria acabar com a gratuitidade do SNS, no local de contacto, tenha pegado. Concluo que possa ter faltado clareza na exposição de algumas propostas concretas por parte do PSD. A tudo isto acresce que o eleitorado tradicional de PCP e BE ficou irritado com a queda do governo anterior e concentraram os seus votos no PS, não fosse o diabo tecê-las. Não restam dúvidas de que a esquerda caiu na esparrela que o Dr. António Costa e o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa montaram. Foram avisados.

Como ficou demonstrado, os eleitores votam por si e não há receio de maiorias absolutas. O eleitorado não é um sincício comunicante que pensa em conjunto. Também ficou claro que as sondagens valem de pouco e que as empresas que as fazem terão de rever as técnicas de amostragem que usam. Parece evidente, para quem ainda tivesse dúvidas, que extrapolar de mil para milhões é um assunto arriscado e só para gente muito competente. Querem barato, levam com o que o barato dá… pouco e mal feito. Não foi barato? Foram enganados, como talvez tenham sido aqueles que votaram PS na esperança de que a sua vida melhore. Aumentos? Falamos daqui a 4 anos. Mais rendimento disponível? Falamos daqui a 4 anos. Melhores pensões? Falamos daqui a 4 anos. Melhor saúde? Falamos daqui a 4 anos. Mais segurança, seja social ou pública? Falamos daqui a 4 anos. Mais emprego? Falamos daqui a 4 anos. Crescimento económico? Falamos daqui a 4 anos. Quatro anos em que o PS governará sem amarras, sem desculpas e como muito bem entender.

Em termos de política de saúde, a minha preferência programática ia para o PSD. Não tive nada a ver com a construção de ideias do PSD para a saúde, partido com quem tenho colaborado muito espaçadamente, mas elogiei o que propunham. Votei no PSD e não contribui para a sua hipotética vitória. Não estou certo de tenha sido esse o voto de muitos que não deixaram de aparecer nas arruadas com palmadas nas costas do Dr. Rui Rio. A política tem disto e o PSD tem estado demasiado desunido, quase partido em dois, sem que a atual direção tenha conseguido alterar esse estado de coisas. Foi bonito ver todos de acordo na campanha, mas não estavam todos unidos no desejo de vitória da metade do PSD que tinha elegido Rui Rio.

O que me interessa é o futuro mais imediato para os doentes que trato. Temo que o PS, maioritário e sem grande necessidade de prestar contas, se mantenha numa lógica de contenção nas reformas para a saúde e nada melhore. É certo que já temos quase 150.000 funcionários no SNS e que o orçamentado em 2022 era a maior previsão de despesa desde 2012. Mas os problemas acumulam-se e têm de ser resolvidos. Mais de 30% da despesa corrente de saúde, o que corresponde entre 5 a 6 mil milhões de Euros/ano, sai do bolso dos contribuintes, por cima do que já se paga de impostos. Não se lhes pode continuar a dar um SNS insuficiente que os obriga a contratar seguros de saúde e, ao mesmo tempo, impingir-lhes que o SNS é universal, geral e tendencialmente gratuito. Se nada for mudado, há o risco de só haver pão com chouriço, mas com o que pagamos de impostos devemos exigir a melhor culinária gourmet.

No próximo governo é desejável que a Dra. Marta Temido seja substituída. Não por globalmente ter feito um mau trabalho, longe disso. A espaços esteve bem e foi mais penalizada pelo que disse do que pelo que fez. Os “desastres” a que aludi no início desta crónica – e em muitas outras ao longo dos últimos 6 anos – foram também causados por um ministério das finanças que não quis saber da saúde e por uma máquina que o PS perpetua e não quer mudar. A ministra da saúde cresceu no exercício do seu mandato e será difícil encontrar alguém com uma imagem tão apaziguadora como a da Dr. Marta Temido. Merece felicitações por isso. Mas o ministro da saúde deve ser mudado porque a Dra. Marta Temido, apesar de uma muito boa aceitação na opinião pública, merece descanso, merece louvor que não deve ser desgastado, tem relação difícil com os profissionais do setor, o que é habitual depois de vários anos no cargo, e a partir de agora tem uma oportunidade de mudar de emprego sem ser “despedida”. Sairá em alta, com uma maioria absoluta no currículo, vencedora, em Coimbra, no círculo que encabeçou. O Dr. António Costa deve colocar um médico à frente da saúde. Tem várias opções e ao PS não faltam quadros capazes neste setor das políticas sociais. Duas parecem-me óbvias. Ou “promove” o Dr. António Sales, ponderado, educado, uma boa surpresa no governo, ou nomeia o Prof. Fernando Araújo, um excelente quadro, provavelmente o melhor que o PS terá agora na saúde, cujo trabalho – em todos os cargos ocupados – merece credibilidade e admiração geral.

O PS ganhou ao centro e à esquerda. Quase eliminou o BE, o que é uma boa notícia, e reduziu o PCP a uma expressão de número de deputados que só é merecida por não terem sabido acompanhar as mudanças do tempo que já não é de marxismos-leninismos. Mas a redução do seu grupo parlamentar a 6 lugares não lhes fará grande mossa, para lá do quase aniquilamento do constructo falacioso que é o PEV, já que é na rua que “assim se vê a força do PC”. E vamos ver.

O PAN, quase extinto, tendeu a regressar ao espaço do ridículo onde as suas pulsões animalescas o levaram, e o Livre, agora com um deputado a sério, manteve o seu eleitorado fiel.

Mas os fenómenos mais interessantes estão à direita do PS.

Comecemos pelo fim. O fim, final, kaputt (ai o alemão…) do CDS estava previsto. Lamentavelmente, perdemos um hipotético ministro da defesa que estava superiormente qualificado para o cargo por ter andado no colégio militar e ser de família com militares. Quase tanto quanto eu e mais uns milhares de portugueses que não frequentaram essa escola, mas têm familiares que fizeram a tropa. No meu caso, até sou bisneto de General e isso deve pontuar alguma coisa. A campanha demonstrou que tinham razão os que não quiseram PSD e CDS coligados. Ou talvez se possa tirar dos resultados a conclusão de que mais valia engolir o sapo do Chicão e tentar impedir a maioria absoluta do PS. Já não vale a pena perder tempo com isso.

O IL, que já era o partido programaticamente mais à direita na Assembleia da República, teve ganhos significativos e importantes. Fico contente porque andei anos a defender que era importante haver direita com representação parlamentar e as coisas ficaram agora mais claras. O IL representa uma direita económica, explícita e coerente, necessária numa democracia moderna, pese embora eu não concordar com a sua visão de Estado Solidário, em particular com a maioria das suas propostas para a reforma do SNS.

O Chega, que só é de direita por afirmar umas boutades conservadoras e carunchosas, foi o partido de oposição mais beneficiado pela queda do governo anterior. Congregou os votos dos mais conservadores, fartos de eutanásias, laxismo penal, insegurança pública, políticas de imigração mal feitas, subserviência a minorias mais ululantes, inserção social confundida com apoios à preguiça e delinquência. Ampliou isto tudo, arranjou uns alvos preferenciais, na falta de judeus foi descobrir uns bodes expiatórios mais próximos, serviu-se do descontentamento nas periferias e de alguns ”tios” e “tias” mais nacionalistas e saudosos do império, vestiu umas fardas, insultou o regime onde era mais fácil insultá-lo e conseguiu o magnífico resultado de ser o terceiro partido mais representado na AR. O seu trabalho vai começar agora. Para sobreviverem vão precisar de construir políticas sérias, não apenas slogans, apresentarem um programa social e económico com pés e cabeça, rechearem-se de quadros e contribuírem para a oposição alternativa. Para já, são apenas um partido de protesto, uma espécie de BE de antanho, o que é pouco para justificar maior crescimento eleitoral. Poderá acontecer-lhes o mesmo que aconteceu ao BE de agora.

O PSD foi o maior derrotado no dia 30 de janeiro de 2022. Foi-o porque partia com expetativas de um grande resultado. O Dr. Rui Rio perdeu, não por causa das graçolas sem graça nem do seu alemão que não entendo, mas porque a estratégia genuína e teoricamente inteligente de ganhar ao centro e à direita falhou rotundamente. O centro pertence, por enquanto, ao PS e o derrube do governo pela esquerda ainda deu mais centro ao PS. A esquerda, graças à incompetência política de BE e PCP era presa fácil. Ninguém saberá se a direita, com outro líder no PSD ou outro posicionamento político de Rui Rio, teria mais votos. O PSD talvez pudesse ter elegido mais deputados, mas a direita toda provavelmente não. Houve transferência do PSD e CDS para os “novos” partidos. A derrota do PSD que também é pessoal do Dr. Rui Rio, mais uma, indica que está na hora de regressar ao espaço PPD, já que para sociais-democratas já há o PS, numa lógica de agregação do centro-direita conservador e ao mesmo tempo reformista, recuperando a área da democracia-cristã agora órfã, moderando a direita liberal e respondendo de forma consequente aos anseios e receios que o Chega soube explorar. Precisa, obviamente, de uma nova liderança. Parte para a mudança com um grupo parlamentar montado à imagem de um chefe que o expurgou de muitos quadros válidos e politicamente relevantes, desanimado pela derrota e sem rumo claro. O PPD precisa de alguém que o reconstrua a partir de dentro, sarando feridas e com ideias simples, inequivocamente expressas, com gravitas e peso na opinião pública. Alguém que possa reconquistar a comunicação social e o voto da maioria dos Portugueses. Do que conheço, chegou a hora dos Engenheiros. Têm dois. Ou Carlos Moedas, pese embora a sua lista para a CML me tenha desiludido muito – o inadiável desejo de bifes confirmou as piores suspeitas –, ou Jorge Moreira da Silva, um dos melhores e mais bem preparados políticos portugueses que não poderá continuar a ignorar a necessidade de se candidatar à liderança do PSD e, por consequência, ao cargo de primeiro-ministro. Insistir em qualquer um dos que já tentaram ganhar o partido e perderam, é desperdiçar qualquer hipótese de ganhar em 2026.