O retrato mais exacto de Portugal é a imagem que acaba de nos ser dada pela primeira síntese do Censo da população deste ano. Entretanto, os dados diários da pandemia mostram que, apesar do recente avanço da vacinação, a proporção de pessoas contagiadas diariamente e de óbitos verificados em Portugal continua a aumentar em relação à Europa. Segundo os números da última semana, Portugal continua a ter o dobro de «novos casos» e de óbitos por habitantes da UE. Se esta é a fonte de que o país irá depender nos próximos anos, a Europa também devia constituir a pauta pela qual nos regularmos… mas não!
É sabido que, apesar da imigração oriunda das antigas colónias em substituição parcial das correntes emigratórias que nunca cessaram desde os anos da guerra colonial, a chamada taxa de substituição das gerações requer, em Portugal como em qualquer lado, um mínimo anual de 2,1 nascimentos por mulher fértil vivendo no país, seja qual fôr a sua origem. Ora, desde o recenseamento populacional de 1981 – há 40 anos! – que essa taxa caiu abaixo do mínimo e nunca recuperou desde então.
Com altos e baixos devidos às migrações, a taxa de substituição geracional foi sempre menor do que o mínimo biologicamente necessário. O que isso significa é a paulatina diminuição da população. Segundo o censo de 2021, o número de habitantes do Continente desceu abaixo de 10 milhões, diminuindo 200 mil pessoas na última década (-1,9%). É de notar que, desde o Verão de 2020, a mobilidade migratória ficou reduzida e os óbitos por Covid-19 não foram de molde – felizmente! – a afectar a estatística.
Na realidade, apesar do relativo aumento de óbitos, a principal explicação da perda de população não se deve a isso mas sim ao facto de o número de nascimentos ter continuado a baixar nestes últimos dez anos. Os fenómenos que concorrem para a diminuição dos nascimentos são inúmeros: desde o aumento dos níveis de instrução e de recursos, sobretudo das mulheres, até ao adiamento do primeiro e frequentemente único filho para os 30 anos e à perda natural de fecundidade por parte de ambos os sexos ao envelhecerem. A isto vêm adicionar-se a notória diminuição dos casamentos e o aumento das separações. Mais do que uma questão de vontade pessoal, a qual não é senão a interiorização das novas pressões, foram os factores estruturais sócio-culturais e económicos que fizeram cair a taxa de substituição geracional para 1,3, ou seja, pouco mais de metade da taxa mínima, o que faz hoje de Portugal um dos países do mundo com menos nascimentos proporcionalmente à população.
Enquanto fenómeno sócio-cultural extensivo ao mundo inteiro, apenas com excepções circunscritas e em redução na África subsaariana, esta drástica redução universal dos nascimentos deve-se, especialmente nas sociedades de matriz católica, às profundas mudanças que foram afectando as relações famíliares verticais e horizontais entre gerações e entre sexos. A entrada maciça das mulheres no mercado do trabalho, sobretudo especializado, foi o agente mais directo dessa mudança radical!
Em Portugal, a equipa de demógrafos dirigida pelo falecido Mário Leston Bandeira estimava já em 2014 que dificilmente Portugal evitaria perder população em breve. Concretamente, previa que o índice de envelhecimento (actualmente 165 idosos por cada 100 jovens) continuasse a aumentar e que, em 2060, a população se reduzisse a 8 milhões… Ora, pensar no envelhecimento é pensar nas reformas e, com o prolongar da esperança de vida, é pensar também no agravamento da saúde e, finalmente, na solidão dos «lares».
A pergunta obrigatória é esta: como serão pagas estas despesas que já representam perto de metade do orçamento de Estado sem falar do que sai directamente do bolso dos reformados? Em suma, os custos inerentes ao envelhecimento arriscam-se a ser pagos pelo prolongamento da idade da reforma e pela simultânea redução do respectivo montante… Em Portugal, com a economia anémica que temos, estas deviam ser as principais preocupações do governo mas não se vê o PS mexer um dedo a este respeito.
Regressando aos dados do INE, existem 6 milhões de agregados familiares, o que mostra como tem diminuído nas últimas décadas o número de pessoas por agregado (1,7 pessoas) e como aumentaram os idosos isolados! A ser assim, o facto de haver perto de 6 milhões de alojamentos para um pouco mais de 4 milhões de agregados (um alojamento e meio por agregado) indica que a questão da habitação está a generalizar-se no país sem resposta. Quanto à distribuição regional da população, esta segue o padrão de despovoamento do interior desde as descobertas e as emigrações…