O dr. Costa declarou o país “chocado com o desplante” de “Joe” Berardo. Infelizmente, o país não se choca com o desplante do dr. Costa. Quem quer saber sabe que o riso do sr. Berardo só é possível por causa do “eng.” Sócrates, dos ex-ministros do “eng.” Sócrates, do prof. dr. Vara e de mais uma resma de figuras que, juntas, constituem boa parte do Partido Socialista a que o dr. Costa preside e em cujo nome hoje manda nisto. O sr. Berardo, que agora ninguém conhece e todos condenam, foi em tempos um peão fundamental para o PS e para o regabofe que o PS representa com propriedade – um peão com uma fortuna considerável e com dívidas consideravelmente superiores, mas um peão.

Não é apenas o sr. Berardo que deve rir: é universalmente engraçado que, após o roubo de um banco, o cidadão médio reclame em exclusivo a punição do moço que segura o papel a dizer “Isto é um assalto”, e ignore por completo os comparsas armados que o rodeiam, os capatazes no carro e os cabecilhas na cave. E é engraçadíssimo que a comparação não seja alegórica, e sim um quase literal. Entre várias distracções pícaras, como a destruição da PT, o BCP acabou realmente assaltado, por obra, graça (imensa graça) e no mínimo complacência dos exactos indivíduos que, desde há dias, se fingiram chocados com o desplante do sr. Berardo.

Chocante – ou não, que uma pessoa habitua-se – é a aparente incapacidade dos portugueses em ligar as proezas do sr. Berardo às criaturas que os permitiram, instigaram ou, ó Virgem Santíssima, lucraram com eles. O dr. Costa, que integrou com prestigiante destaque os governos que inventaram o sr. Berardo, dá-se ao luxo de falar em desplante. O prof. Marcelo, que designou o sr. Berardo “empresário do ano” em 2007 (pela sua imorredoura acção no BCP), dá-se ao luxo de pedir decoro ao madeirense. E sumidades sortidas, que nunca (elas fiquem ceguinhas) se roçaram neste caldo de compadrios e franco rapinanço, dão-se ao luxo de proferir sortidas maravilhas acerca da pouca-vergonha que por aí vai.

Perante a enésima revelação de tão virtuosa rede de corrupção, o que faz a plebe? Resmunga umas imprecações alusivas ao sr. Berardo e jura não voltar a consumir certo vinho que, pelos vistos, o homem produz. Nação valente, de facto. E um nadinha retardada. José Manuel Fernandes chamou à apatia “indiferença cívica” e primou pela suavidade. Metade daquilo que os portugueses toleram, engolem e quiçá aplaudem não caberia na cabeça de um habitante normal de uma sociedade normal, alargando o conceito ao Chipre e ao Butão. Em lugares civilizados, burlões e comparsas de semelhante calibre estariam na cadeia ou a caminho da dita, felizes por escapar à turba de justiceiros com archotes. Por cá, mantêm intactos o poder, a influência e a convicção de que, logo que concedam o ocasional bode expiatório, não haverá quem os belisque. A convicção é fundamentada.

Do povo às “elites” (desculpem), cada elemento da presente história expõe o desconchavo pátrio, que se não fosse triste nos inspiraria a vencer o sr. Berardo num campeonato de gargalhadas. Há o pormenor de, na comissão de inquérito, o sr. Berardo ter sido interrogado pela filha, e confessa admiradora, de um assaltante de bancos reformado. Há o génio económico dos comunistas de PCP e BE, que recomendam a nacionalização total da banca para evitar as chatices provocadas pela nacionalização parcial da banca. Há a reacção peculiar do PSD, que atendeu à cartilha e se concentrou nos ataques ao sr. Berardo sem tirar uma ilaçãozinha do que o sr. Berardo significa. E há, principalmente, a condução discreta da história para a essencial temática das comendas.

No espaço que uma televisão lhe concede, o advogado barra empresário barra comentador barra fervoroso apoiante do “eng.” Sócrates e do dr. Costa, José Miguel Júdice, ameaçou devolver uma comenda se não retirassem ao sr. Berardo a dele. Num ápice, meio mundo começou a discutir a remoção da comenda, ou comendas, de modo a transformar estas no único ponto de interesse do caso. O caso, que envolve esquemas de trafulhice dignos de orgulhar o sr. Lula, reduziu-se repentinamente a uma polémica alusiva às condecorações que o Estado espalha pelos ilustres. Não importa que os ilustres em questão, de “revolucionários” a rematados patetas, incluam uma quantidade de gente sem serventia palpável. Nem importa que, por definição, o regime que entrega os penduricalhos se confunda frequentemente com os respectivos destinatários. Importa é lançar a ideia de que, mal sumam os penduricalhos do sr. Berardo, Portugal entra nos eixos. Claro que se os portugueses acreditarem nisto, acreditam em tudo. Acontece que os portugueses acreditam em tudo – e não ligam a nada. É deles que o sr. Berardo se ri. Com razão.

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