As almas mais sensíveis impressionaram-se com o artigo da revista alemã, De Spiegel, em relação à Grécia. Acharam que a Chanceler alemã, Angela Merkel, estava a ameaçar a Grécia com a expulsão do Euro, no caso de não cumprirem os compromissos que resultaram dos programas de ajustamento. A interpretação dominante sugeriu que o artigo constitui um recado por parte de Merkel.
No entanto, o mais provável foi ter sido o SPD a inspirar o De Spiegel, uma publicação de esquerda. O argumento serve duplamente o SPD. Em primeiro lugar, os sociais-democratas (na Alemanha, a esquerda) sabem que a dívida grega será uma questão muito importante para os alemães. Cerca de 90% da dívida grega é aos seus parceiros da União Europeia, incluindo naturalmente a Alemanha. A restruturação da dívida grega não afecta os mercados, ao contrário do que muitos julgam, mas sim os orçamentos nacionais dos seus parceiros europeus. Os alemães, que fazem contas e não ignoram a realidade, sabem que serão eles a pagar parte da restruturação da dívida grega.
Neste contexto, o SPD quer evitar a todo o custo ser visto como o partido “pró-grego.” Se há fantasma que paira sobre o SPD é a CDU beneficiar de novo de uma crise na zona Euro. O SPD fará o que for necessário para mostrar aos alemães que podem confiar no partido para lidar com as dívidas da Grécia. Um artigo da linha dura numa publicação de esquerda serve os propósitos do SPD.
Em segundo lugar, o SPD receia que uma vitória do Syriza possa reforçar a legitimidade da extrema-esquerda na política europeia. Estas análises podem parecer despropositadas mas elas existem na cabeças dos políticos. Para a maioria dos dirigentes do SPD, o crescimento dos partidos à sua esquerda é a causa da sua incapacidade de ganhar eleições. Primeiro, foram os Verdes e ultimamente tem sido o De Linke. O SPD acha que o De Linke não deve ser visto como um partido do “arco da governação”, usando a expressão de António Costa. Os sociais-democratas alemães podem estar errados, mas acreditam que se o Syriza chegar ao poder reforça a legitimidade política de partidos como o De Linke, a sua principal ameaça interna. E os socialistas franceses partilham esta visão. Também não querem que as forças à sua esquerda reforcem a sua legitimidade como partidos de poder.
Tendo em conta a posição do SPD e dos socialistas franceses, dois dos maiores partidos do centro esquerda europeu, não deixa de ser estranho ouvir António Costa dizer que o PCP e o BE fazem parte do arco da governação. Talvez seja uma boa táctica para captar eleitorado desses dois partidos, mas convém ser cuidadoso em relação à credibilização do PCP e do BE. Foram eles que se auto-excluíram do arco da governação, pelas suas posições radicais. Por isso, terão que ser eles a aproximarem-se do arco da governação, e não o contrário. Como candidato a PM, António Costa terá que ser cauteloso com as percepções externas das suas declarações e iniciativas. Deve distanciar-se completamente das posições do Syriza, ao contrário do que fazem alguns dos deputados do PS. E não pode criar a percepção que se está a preparar para formar uma maioria de esquerda com o PCP ou com o BE.