1 A juíza conselheira Maria João Vaz Tomé foi indicada pelo PSD para o Tribunal Constitucional. É juíza no Supremo Tribunal de Justiça há 6 anos e tem um longo currículo académico. Infelizmente este currículo não foi considerado suficiente para ser aprovada para o TC. O motivo? Durante a audição no parlamento teve a ousadia de, ao falar sobre o aborto, afirmar a jurisprudência do TC, a doutrina e a lei.

Maria João Vaz Tomé não tomou qualquer posição sobre o aborto. Disse apenas que neste tema há dois direitos em conflito e que, caso haja um alargamento da lei, é normal que o TC seja chamado a pronunciar-se. Isto foi o suficiente para ser vetada pela esquerda.

Porque se antigamente para se ser juiz no Tribunal Constitucional o importante era conhecer o Direito, hoje é preciso passar no teste de pureza ideológica da esquerda. Uma mudança que começou com o chumbo pelo TC da eutanásia e que já teve como vítimas João Caupers e António Almeida Costa.

As audiências dos nomeados no parlamento deixaram de ser para aferir a sua competência para o lugar e tornaram-se num debate político, ao jeito do Supremo Tribunal dos Estado Unidos, onde se procura garantir que o Tribunal Constitucional está submetido aos ditames ideológicos da Assembleia da República, independentemente do Direito.

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2 Mas esta concepção que a esquerda em geral, e o PS em particular, têm da submissão do Tribunal Constitucional ao poder político não é um caso isolado. A esquerda concebe-se e a si mesma como dona da moralidade e da ética. Logo, quem está contra si é um herege que deve ser submetido em nome do bem comum.

As ordens profissionais dão pareceres contra a eutanásia? Tenta-se acabar com a sua autonomia. Os médicos evocam a objecção de consciência para não praticar abortos? Acaba-se com a objecção de consciência. Os pais não educam os filhos na ideologia de género? Obriga-se as crianças a aprender na escola. Mais, os pais não aderem a ideologia trangénero? Então cria-se na escola mecanismos para que estes sejam denunciados à CPCJ, como acontecia com o projeto de lei que aplicava a Lei da Autodeterminação de Género às escolas. As pessoas dizem coisas nas redes sociais que a esquerda não gosta? Regule-se as redes sociais. As pessoas afirmam coisas que a esquerda não gosta? Criminalize-se o discurso afirmando que tudo o que discordamos é discurso de ódio.

A esquerda não se contenta com nada menos do que submeter todos os corpos da sociedade ao poder político e à sua agenda ideológica. Por isso, acabar com a autonomia de qualquer espaço social, dos tribunais às famílias, das escolas às redes sociais, é essencial. Para a esquerda, como zelotas de uma nova religião, a heresia deve ser combatida sem contemplações e hesitações, e quem discorda é seguramente um agente de ódio à nova moral estabelecida.

3 Nada disto é original ou sequer um caso isolado na Europa. O Parlamento Europeu tem travado longamente a guerra pela regulação das redes sociais, na Alemanha já houve crianças retiradas aos pais por estes recusaram que eles assistam a aulas de educação sexual, no Reino Unido há pessoas condenadas a pena de prisão efectiva pelas suas opiniões nas redes sociais e Espanha criminalizou manifestações próximas de clinicas de aborto.

É evidente a deriva do poder na Europa pelo controle da sociedade. Há uma pretensão totalitária clara de impor um pensamento único, sobretudo nas questões da sexualidade e da família. Há uma procura de submeter todos os aspectos da sociedade civil à moralidade do poder.

A desculpa é o crescimento de grupos de ódio. Mas confesso que por muito que me desagrade ver crescer na Europa grupos racistas, neofascistas e neonazis (e não há como negar que têm crescido), assusta-me mesmo é que debaixo do guarda-chuva do combate a esses grupos o poder castre a liberdade de expressão, a liberdade de educar, a liberdade política, etc. Os racistas, os fascistas, os nazis atacam a democracia de dentro para fora, mas esta ambição do poder de controlar o pensamento na sociedade corrói a democracia por dentro. De que serve derrotar os novos movimentos antidemocráticos, se para isso se destruir a própria democracia?

4 O chumbo da nomeação da juíza conselheira Maria João Vaz Tomé foi apenas mais um pequeno episódio nesta procura da esquerda em submeter a sociedade à sua moral. Um episódio onde tiveram o auxílio da IL, sempre disposta a ser o idiota útil da esquerda, e do Chega, disposto mais uma vez a fazer um jeitinho à esquerda só para atacar o Governo. Mas este pequeno episódio é mais um prego no caixão da liberdade da sociedade. A pouco e pouco a esquerda vai conseguindo matar todos os espaços de autonomia que existem na sociedade e que servem de limite ao poder. E infelizmente vai sempre encontrando idiotas úteis, que preferem as amarras do pensamento à simples possibilidade de alguém os considerar contra o progresso. E assim se pregou mais um prego no caixão da liberdade.