Em 2012, com muito destaque e fanfarra, um canal de televisão denunciava o escândalo dos milhões que eram gastos em ilegalidades e que beneficiavam privados na educação. Uma história que tinha tudo para ser apetitosa: dinheiro público, gastos extravagantes, favores políticos, ex-governantes de vários partidos, ilegalidades várias. Tudo se passava com os contratos de associação – contratos celebrados entre o Ministério da Educação e colégios privados para estes receberem alunos do ensino básico e secundário em condições de gratuitidade – e a GPS, uma empresa detentora de diversos colégios. Em 2014, o Ministério Público acusou administradores dos colégios e políticos.

Durante seis anos, a comunicação social não deixou a opinião pública esquecer o caso. Regularmente recordavam a acusação (nada mais havia para noticiar) e as redes sociais tratavam de vilipendiar os acusados. Em 2018, o juiz de instrução despronunciou os políticos envolvidos. “No caso em apreço, a peça acusatória contém factos inócuos (…), juízos de valor e conclusões”. Era tarde para os envolvidos. Dificilmente uma decisão de não pronúncia, apesar de lapidar nos seus termos, repõe o bom nome dos visados. Seis anos de ataques ferozes deixam muita mossa.

Em 2022, os juízes do julgamento, por unanimidade, absolvem os administradores dos colégios. Não ficou provado que os arguidos tenham usufruído do dinheiro dos colégios a nível pessoal, nem que tenham criado um esquema para obter pagamentos indevidos, nem que tivessem falsificado documentos. Mas o tribunal (três juízes) foi mais longe; deu como provado que os colégios cumpriram os contratos com o Estado: “as escolas funcionavam, as crianças tinham aulas, havia projetos educativos ambiciosos”. Quanto às alegadas despesas milionárias, o tribunal considerou que são questões de gestão de natureza privada que o tribunal não tem nada que avaliar.

De forma resumida, o que começou como um grande furo jornalístico em defesa do erário público (com origem mediata no preconceito ideológico contra o setor privado na educação) acaba como uma grande vergonha para a acusação. No mínimo, esperar-se-ia que os órgãos de comunicação em questão noticiassem, com o mesmo alarido, que aqueles são colégios bem geridos e com projetos educativos ambiciosos. Infelizmente, não é a primeira vez que isto sucede. Mas impressiona que ainda seja possível que haja processos com este impacto e importância públicos que terminem com acórdãos de tal forma violentos para a acusação. Compreende-se que possa haver diferentes perspetivas quanto aos factos ou ao direito; não se compreende que em vez de concluir, ou não, pela condenação, um tribunal conclua que em vez de crime houve uma ação virtuosa por parte dos arguidos (no caso, colégios bem geridos com projetos educativos virtuosos).

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Mas este acórdão é muito relevante para lá da questão de natureza penal. Vale a pena analisar a dimensão de direito da educação que o tribunal, com ou sem intenção, inclui no acórdão.

Em primeiro lugar, o tribunal incluiu nos fundamentos que suportam a sua decisão que os colégios funcionavam regularmente e tinham “projetos educativos ambiciosos”. Embora, na análise de um contrato entre o Estado e um privado para prestação de serviços educativos, pareça evidente olhar para a qualidade do serviço prestado, esta análise não é feita, nem tem qualquer peso, na decisão anual do Ministério da Educação de celebrar tais contratos. Nem isso faz parte dos critérios de acompanhamento da execução dos mesmos.

Em segundo lugar, o tribunal entendeu que não lhe compete analisar o modo como os colégios são geridos financeiramente. Mesmo sendo o contrato com o Estado a fonte exclusiva ou dominante de receita do colégio. O Estado paga para que o colégio eduque os alunos que lhe são confiados. Se o faz de forma financeiramente eficiente ou não é assunto que diz respeito à entidade titular do colégio e não ao Estado.

O discurso político dominante nos meios da educação é de que os colégios com contrato de associação são um remendo no sistema educativo para oferecer escola em zonas onde não há escola pública. É a redução das parcerias público privadas na educação à lógica de rede de oferta. Uma lógica herdeira da necessidade de expansão da oferta dos anos 70 aos 90, mas que já deveria ter sido ultrapassada.

É um tribunal que vem dizer o óbvio: em vez de se preocupar com o modo como os colégios gastam o dinheiro (desde que cumpram as regras contabilísticas e fiscais a que todos estão obrigados), o Estado deveria estar preocupado em conhecer a qualidade da educação que oferecem. Em vez de decidir aumentar ou cortar turmas apenas em função de dados demográficos, deveria considerar a vantagem para as populações da qualidade deste serviço (ou desvantagem se for o caso).

Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.