Na cidade do Porto, 45% dos alunos do 1.º ciclo ao ensino secundário frequentam o ensino privado. Em Lisboa são 38% e em Braga 27%. Se olharmos só para o 3.º ciclo e ensino secundário, alunos entre 12 e os 18 anos, estas percentagens são respetivamente de 49%, 32% e 29%. Ou seja, 1 em cada 2 alunos com mais de 12 anos no Porto e 1 em cada 3 em Lisboa e Braga frequentam o ensino privado.

Este facto, desconhecido da maioria das pessoas, incluindo decisores, dirigentes da administração pública e de responsáveis políticos, merece três reflexões.

A primeira, positiva, é que isto significa que, pelo menos nestas cidades, há alguma liberdade de educação, traduzida em liberdade de oferta de escola e liberdade de escolha para as famílias. Aliás, no setor da educação, Portugal é um país em que há verdadeira liberdade de oferecer projetos educativos diferenciados. As exigências para se poder criar um colégio são razoáveis, o procedimento de autorização, embora precise de melhorias importantes em alguns aspetos, é claro e as escolas privadas têm autonomia curricular suficiente para disponibilizar ofertas educativas e projetos pedagógicos específicos e diferenciados.

A segunda, menos positiva, é que esta realidade pode indicar que estão a ser criadas no nosso país bolhas sociais em torno da escolarização dos jovens. É natural que as amizades feitas entre os 12 e os 18 fiquem para a vida. As festas, o desporto, os namoros, as sessões de estudo, são fatores que criam laços estreitos entre os jovens e que seguramente irão determinar as suas esferas de influência social futura. No pressuposto de que os alunos que frequentam o ensino privado são oriundos de famílias com significativo capital social (para não referir capacidade financeira), estas relações para a vida são criadas e alimentadas dentro de um grupo já de si privilegiado.

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A terceira reflexão, meramente objetiva, é que a realidade torna evidente que as escolas que são propriedade do Estado não têm lugar para todos. Imagine-se que o ensino privado desaparecia. Pelo menos em Lisboa, Porto e Braga teríamos muitos milhares de alunos sem escola.

Daqui resulta que as políticas públicas para a educação não podem deixar de considerar o ensino privado. As políticas públicas para a educação, para serem relevantes não podem destinar-se apenas à escola pública e devem ter como objeto as necessidades de todo o país. Um país com um sistema de ensino que inclui escolas públicas mas também escolas privadas.

A conceção de um sistema público de ensino (sublinho o público, porque resultante de ofertas públicas que incluem e que não diferenciam em função da propriedade) onde convivem escolas públicas e privadas não é algo assim tão raro ou distante. Segundo os dados do PISA 2018, 63% dos alunos de 15 anos na Holanda frequentam escolas privadas com financiamento público. No Reino unido são 60%, na Espanha 27%, na Dinamarca 22%, na Hungria e na Suécia 19%, no Luxemburgo 15%, na Eslováquia e em França 12%. Em Portugal são 9% (inclui escolas profissionais).

Só por graça, ou desonestidade intelectual, se pode dizer que a Holanda, o Reino Unido, a Espanha, a Dinamarca, a Hungria, a Suécia, o Luxemburgo, a Eslováquia ou a França são países pouco desenvolvidos ou sujeitos a perigosos regimes “neo-liberais”.

Pensar a educação como todo, de forma inclusiva, respeitando o papel e a autonomia de cada realidade, com mais conhecimento e racionalidade, e menos carga ideológica e de preconceito poderá contribuir para uma mais plena realização do Estado Social. Na educação, como na saúde, dispensar a contribuição do setor particular e cooperativo para a correção de desigualdades e de assimetrias e para garantir mais igualdade e melhor acesso para todos é um erro cuja fatura, como país, nos custará muito a pagar.

Diretor Executivo da AEEP – Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.