Se questionarmos pessoas, indiscriminadamente, sobre a noção que têm sobre o investimento em obras de arte, a generalidade delas dirá, provavelmente, que é seguro e lucrativo. Bem: sim e não!
O lado frágil desta teoria é que, tal como em todos os investimentos, é preciso compreender onde colocamos o nosso dinheiro e perceber se existe um potencial de valorização numa determinada obra ou artista. O lado mais forte desta ideia mostra-nos que o mercado da arte é dos que tem uma evolução mais positiva e estável ao longo dos tempos, até mesmo mais do que valores “garantidos” como o ouro. Quando se comparam alguns dos índices mais relevantes, de entre os quais o mercado de ações, o imobiliário ou o ouro, com os índices do mercado da arte, verificamos imediatamente que à arte correspondem maiores níveis de valorização do que os restantes, sem apresentar quedas acentuadas e, sobretudo, ganhando especial fulgor nos períodos em que as economias ameaçam falhar e os investidores fogem dos mercados mobiliário e imobiliário: tem sido assim, sobretudo nos últimos vinte anos, como quando rebentou a bolha da internet, quando a crise do subprime atingiu o mundo inteiro, e agora, que os níveis de inflação disparam por conta do impacto das espingardas sujas e mal contadas com que o exército russo tem tentado ocupar a Ucrânia.
Ainda esta semana, a notícia da venda da coleção de arte que Paul Allen (co-fundador da Microsoft que, além de colecionador, foi um importante mecenas durante a sua vida) agrupou ao longo dos anos, põe em destaque o novo recorde obtido com este leilão, que se junta a outros recordes que se têm vindo a suceder no último ano, demonstrando a importância do valor da arte quando os tempos se mostram mais incertos. Estas cotações milionárias são, geralmente, alcançadas por obras de artistas considerados valores “seguros”, tradicionalmente centradas sobre obras de artistas clássicos e de que este último leilão também foi exemplo, mas estes lugares são já ocupados, igualmente, por obras de artistas contemporâneos, como Jeff Koons, Roy Lichtenstein, Mark Rothko, Jackson Pollock, entre outros, ditando uma nova centralidade e expressão visível para a Arte Contemporânea.
Também muitos artistas jovens vão já encontrando o seu espaço no mundo, com as crescentes aquisições feitas quer por fundos públicos, quer privados, verificando-se uma crescente sensibilização para a importância da produção artística como elemento simultaneamente agregador e provocador da memória coletiva.
Para os mortais mais comuns, a compra de arte como investimento não é, ainda, uma opção recorrente, mesmo que atualmente já existam empresas e fundos que, através dos seus sites, vendam “frações” de obras compradas com o fim único do investimento; mas esta visão da Arte como um mero peão no tabuleiro dos mercados de investimento pode correr o risco de torná-la num produto vulgar, fixando-se o seu preço com base na especulação e no interesse da rentabilidade, secundarizando-se os valores intrínsecos e mais importantes das obras, como a estética, a sua relevância cultural, o seu conceito e a sua mensagem. Tomás Maia, no seu recente livro Vida a Crédito – arte contemporânea e capitalismo financeiro, falando sobre esse aparente antagonismo entre a arte e o seu processo comercial expressa isso mesmo: “se a primeira se define pela prática de um dom, o segundo rege-se pela apropriação da mais-valia”.
Ainda que a tentação especulativa esteja presente neste mercado – muito por via da influência que as leiloeiras vão exercendo para inflacionar os preços das obras em disputa e, legitimamente, melhorarem a sua performance – os compradores que se dispõem a lutar pela maior licitação de uma obra fazem-no por dois motivos: o mais óbvio é, simplesmente, porque podem e, provavelmente, porque foram aconselhados a fazê-lo; o outro motivo é bem mais subjetivo e muito mais importante para manter o valor do objeto, que é a satisfação do desejo da contemplação.
Este último aspeto é aquele que permite garantir que, apesar da influência que os agentes económicos tentam exercer sobre o valor da Arte, a sua principal cotação é o que ela comunica com quem a desfrui. Por outras palavras, a verdadeira medida do seu valor quantifica-se pelo impacto emocional, estético e intelectual que causa naqueles que a percebem; independentemente do seu valor, a Arte é a derradeira experiência contemplativa e esse é um móbil determinante para a sua aquisição. Mesmo que o seu preço suba mais nos momentos de maior tensão económica ou que alguns dos seus criadores se sujeitem à bolha da mediatização para ampliar a sua cotação, o seu verdadeiro valor reside nas sensações que por ela somos capazes de sentir a cada momento e ao longo dos tempos, a cada transformação da sociedade, a cada novo olhar sobre o mesmo objeto ao longo das gerações.
É a arte que nos dá a oportunidade de ter um outro olhar sobre o mundo, que nos guia através das dificuldades e nos compele a lidar com eles, porque compreendê-la é, talvez, o maior valor que lhe podemos dar.
E se uma grande parte da produção artística vive no (e do) circuito comercial – porque é dela que o artista vive – muitas outras obras são criadas como forma de intervenção para passar uma mensagem muito além do seu valor de troca. O novo trabalho que Banksi depositou na Ucrânia, no palco da guerra, na cidade de Borodianka, é o reflexo disso mesmo: uma mensagem de que onde quer que estejamos, o belo e a emoção convivem dentro de nós e se expressam por maior que seja a devastação que nos rodeia; uma mensagem de esperança na paz, representado na fragilidade do equilíbrio daquela bailarina aposta num muro desfeito; um desejo de reconstrução de um futuro que se deseja, mesmo que as espingardas estejam quentes e ainda tresandem a pólvora.