O futuro constrói-se adicionando, todos os dias, novas cores ao pensamento.

E construímos, no presente, um futuro predominantemente verde, com uma atenção cada vez maior ao ambiente e à gestão equilibrada dos recursos naturais enquanto, ao mesmo tempo, apontamos para um crescente desenvolvimento tecnológico que facilite o nosso quotidiano.

Mas, tal como em qualquer projecto, não é possível prever o futuro sem olhar para os dados recolhidos de que dispomos: não conseguimos traçar um caminho para a sustentabilidade do meio ambiente se não dispuséssemos dos “registos” meteorológicos do passado que nos permitem prever – e apenas prever – qual será a evolução esperada do clima, independentemente dos factores que possam condicionar essa evolução.

Do mesmo modo, não conseguimos compreender-nos enquanto sociedade nem o que esperamos que ela venha a ser, se não conseguirmos manter viva a memória do nosso percurso em todos os campos da expressão e do pensamento humanos.

Devemos todos ter o nosso espaço para expor as ideias, contrapondo ou acrescentando algo ao pensamento vigente quando dele discordamos ou quando temos novos dados que queremos partilhar. O que não parece curial é querer impor novas normas ou novos paradigmas simplesmente destruindo ou distorcendo o que já conquistámos e pelo que trabalhamos para preservar.

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Tudo isto a propósito da forma de protesto que alguns membros de organizações ambientalistas têm encontrado para ganhar visibilidade: a nova moda da tentativa de destruição de obras de arte (e, mais recentemente, de figuras de cera!).

Se por um lado, o direito ao protesto e à reivindicação de ideias é legítimo, ele perde o seu fundamento quando não é obtido pelo diálogo ou é conseguido à custa da anulação das outras ideias ou da destruição de conceitos, sobretudo quando não têm a ver com o fim pretendido, como é o caso.

O Ambiente é um património fundamental do qual depende a nossa sobrevivência. Mas também a Arte e as suas formas de expressão são patrimónios indissociáveis da nossa matriz social e fundamentais para nos compreendermos. A mesma organização internacional que reconhece a importância do ambiente e da sua salvaguarda, trabalhando para conseguir um equilíbrio global e negociando a construção das bases para um futuro mais sustentável, juntando quase todas as nações do mundo, é a mesma que trabalha para preservar e reconhecer as várias formas de Património, focando-se na importância dos “registos” que nos permitem compreender como chegámos até aqui enquanto colectivo social. Essa mesma organização em que António Guterres ocupa a mais difícil função tem trabalhado, nos últimos 80 anos, para conseguir um equilíbrio entre a memória do passado e a visão do futuro do mundo, quer através da sua intervenção directa, quer através do trabalho das suas várias organizações.

Numa sociedade cada vez mais centrada na partilha de conhecimento e no debate de ideias no ambiente global que a internet proporciona, não se compreende por que motivo as obras de arte têm de ser as sacrificadas destes novos protestos ambientais. Com tantas formas de mostrar o que pensam, e com tantos meios à disposição para fazê-lo, fica difícil de justificar a intenção de qualquer forma de destruição para justificar a preocupação com o clima. O vandalismo como forma de intervenção não é a melhor maneira de se conseguir atingir qualquer objectivo!

Os museus e o que neles preservamos representam, de um modo geral, o “registo” da nossa evolução enquanto sociedade e serão, provavelmente, dos últimos culpados nas alterações climáticas. O trabalho permanente que estas instituições fazem na salvaguarda e na interpretação da nossa cultura não é merecedor desta nova forma de protesto. E a preocupação crescente com a sustentabilidade desse trabalho tem sido pedra de toque na procura de soluções que sejam cada vez menos prejudiciais para o ambiente. Para mais, com as verbas de que estas instituições geralmente dispõem para conseguir manter-se abertos, o recurso a soluções de climatização passiva tem sido cada vez mais comum, provando a sua eficiência em campos como a conservação preventiva; mas a outra face da moeda é que os investimentos em segurança são cada vez menores, abrindo brechas para que estas novas formas de vandalismo tenham expressão.

Estranha-se que estes activistas não consigam entender que a sua acção implicará uma intervenção de conservação e restauro sobre as obras danificadas, e que o custo de uma intervenção deste tipo, bem como muitos dos produtos necessários à sua execução, seja mais dispendioso para todos e menos benéfico para o ambiente que dizem defender, do que escolherem outra forma de protesto mais environmental friendly.

Monet, Constable ou Van Gogh e todos os que viveram em cada uma destas épocas ou nas antecessoras não tinham a consciência ambiental de que hoje dispomos. Muito menos as obras vandalizadas foram feitas como arma de reivindicação ou têm expressão especial para serem merecedoras desse ataque. Mas são fundamentais para compreendermos como evoluímos no campo artístico e enquanto sociedade.

Como pinturas que são, são feitas de muitas cores sobre uma tela onde se conjugam em harmonia, tal como todos desejamos ser enquanto sociedade: com muito verde, conjugando-o com todas as outras cores da paleta, em harmonia.