Soubemos do Covid-19, do coronavírus, pelos inícios de janeiro de 2020.

Primeiro veio o descrédito: que não chegaria à Europa, que era uma histeria, que era só mais uma gripe, que até “matava” menos do que a gripe sazonal, que grave tinha sido a legionella, mas que estávamos preparados caso viesse. E a vida seguiu normal.

Depois veio a dúvida e o receio: noutros países o contágio provou-se fácil e rápido, noutros países o número de infetados cresceu exponencialmente e o número de mortos também, de outros países ouvimos os relatos de médicos desesperados, da falta de ventiladores, do anúncio das restrições a sair de casa e circular livremente. Mas ainda era na televisão ou online, não era exatamente aqui. Que havia um plano de contingência, 2.000 camas de isolamento e uma linha telefónica para responder a dúvidas e dar instruções. E por isso, nos aeroportos, nas escolas, nas empresas, nos serviços públicos, nos cafés e bares, nos supermercados, nos lares, nos museus e nos jardins, a vida seguiu normal.

Depois veio o vírus propriamente dito e com ele o medo e as perguntas: já havia infetados, já conhecíamos alguém que estava em risco de estar infetado (deveríamos ficar em isolamento?), algumas escolas fecharam (não deveriam fechar todas?), algumas universidades fecharam (não deveriam fechar todas?), algumas empresas instituíram teletrabalho (não deveriam estar todos os que podem?), a linha de apoio depressa congestionou (dimensionada para dez mil chamadas e a receber mais de 40 mil/dia), os médicos e os enfermeiros, na primeira linha, deixaram de ter material (máscaras, óculos, luvas). Mas as poucas medidas tomadas, diziam-nos, eram as certas e proporcionais. Que só devia fechar uma escola se a DGS o determinasse; que os reitores, presidentes de câmara e outros decisores que optaram por fechar espaços, deviam ter esperado pela DGS; que a DGS não via necessidade no controlo térmico, ou outro, nos aeroportos; que quarenta só depois da linha SNS autorizar. E, com alguns cuidados de “etiqueta de higiene”, a vida seguiu normal.

Depois veio a realidade. Esperada, antevista e anunciada noutros países, como Itália, França, ou Espanha. E, de um dia para o outro, as escolas fecharam, as universidades fecharam, os serviços públicos fecharam, as visitas a lares cessaram: o distanciamento social tornou-se a palavra de ordem. E tem que ser assim, para conter, para proteger, e para não deixar recair demasiado num SNS fragilizado na sua capacidade de resposta face à gravidade e simultaneidade dos casos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Veio a realidade e os números da pandemia crescem com os dias, assustadores, sem dar sinal de tréguas.

Para muitos a vida desacelera, muda de ritmo e procuram-se formas de viver o novo normal, de estar confinados a casa, ora família de muitos, ora um sozinho, ora criando rotinas de estudo, ora perdendo rotinas de estudo, fazendo exercício, caindo na ansiedade,  usando a proximidade que o mundo digital permite – jantamos por Skype com os avós que não podemos visitar, rezamos no youtube, rimos no whatsapp –, para quem isso é possível.

Surpreende-nos e sustem-nos a criatividade e a solidariedade. Os vizinhos que se tornam próximos, os concertos online para embalar o tempo, a música das varandas que põe varandas a dançar, os jogos de tabuleiro que ganham nova vida, a redescoberta das conversas, as “house parties”, as vistas virtuais a museus, as ideias para viver no tempo que se partilham desde Espanha, Itália, Argentina, EUA. O vírus da empatia a combater o outro, o que nos ataca.

Para os que mantêm o pais a funcionar e sobretudo para os profissionais de saúde, a vida acelerou, vertiginosa. Estão diariamente colocados perante um combate desigual, que os retira da família, conscientemente entregando a sua própria saúde à sorte. A esses, de quem dependemos, só podemos agradecer. Muito.

A quem me lê: sabemos que sairemos disto, mas sabemos também que o país, e o mundo, estará diferente e que a realidade será muito difícil. A forma como atravessarmos este tempo determinará do que seremos capazes depois. Que se enraíze a empatia, que se integre a preparação prévia, que a regra seja a construção em rede e a mobilização de toda a capacidade do país – pública, privada ou social –, que se aproveite a energia criativa da sociedade civil, que se apoie quem ficar para trás.

Porque, acreditem, o tempo de combate não cessará tão cedo.