Perante a realização de buscas na residência do primeiro-ministro e a detenção do seu chefe de gabinete Vítor Escária e do seu consultor e amigo próximo Diogo Lacerda Machado por suspeitas de crimes de tráfico de influência e corrupção associados a negócios em lítio e hidrogénio, António Costa tomou a opção mais sensata, que foi apresentar a sua demissão, saindo pelo próprio pé da liderança do Governo. Fez bem porque este caso, ao contrário dos anteriores, envolve directamente o primeiro-ministro.
Perante esta situação, colocam-se dois cenários ao Presidente da República: nomear um novo Governo no contexto da actual maioria absoluta do PS ou dissolver o parlamento avançando para eleições antecipadas. Face à gravidade da situação e ao desgaste governamental, a segunda opção parece objectivamente a mais lógica. Mais ainda se considerarmos que Marcelo Rebelo de Sousa associou explicitamente a maioria absoluta à figura de António Costa enfatizando que os eleitores optaram por “dar a maioria absoluta a um partido” mas “também a um homem” e que as grandes vitórias carregam responsabilidades especiais “inevitavelmente pessoais e intencionalmente personalizadas“:
“Agora que ganhou, e ganhou por quatro anos e meio, tenho a certeza de que Vossa Excelência sabe que não será politicamente fácil que essa cara que venceu de forma incontestável e notável as eleições possa ser substituída por outra a meio do caminho. Já não era fácil no dia 30 de janeiro, tornou-se ainda mais difícil depois do dia 24 de fevereiro [início do ataque da Rússia à Ucrânia].”
Ao insistir em manter João Galamba no Governo contra todas as evidências, António Costa terá sinalizado o seu destino político. Costa não deixou cair Galamba mas acabaram por ser ambos arrastados para o fundo. Galamba é aliás uma entre várias figuras – outra é o chefe de gabinete Vítor Escária – que unem António Costa a José Sócrates. Ter dois primeiros-ministros associados a este tipo de processos é uma mancha não só para o PS mas para todo o sistema político português, que fica assim cada vez mais vulnerável a discursos e posturas populistas e anti-sistémicas. À luz das notícias de ontem, ganham também uma leitura mais abrangente as recentes declarações do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que denunciou há poucos dias publicamente a corrupção instalada em Portugal com fortes críticas ao poder político.
Perante este cenário, não será surpreendente se os principais beneficiários forem à direita o Chega e à esquerda o Bloco de Esquerda (ainda que este último talvez em menor grau pela memória recente da parceria próxima com o PS de António Costa em modo geringonça). Circunstâncias que podem levar Marcelo Rebelo de Sousa a ser tentado pela opção de não avançar já para eleições procurando encontrar uma alternativa – necessariamente fragilizada – no quadro da actual maioria absoluta socialista.
Não é no entanto de todo evidente que prolongar o actual ciclo político – essencialmente por receio da relativa fraqueza do PSD perante o crescimento do CH – não acabe por potenciar ainda mais o crescimento do partido liderado por André Ventura ao abrir espaço adicional para o seu discurso anti-sistémico, apresentando Marcelo como apoiante objectivo da manutenção dos socialistas no poder e colando o PSD ao PS. Avizinham-se tempos interessantes – e desafiantes – na política portuguesa.