No momento em que estamos a escrever ainda não sabemos se vai existir um acordo entre o PS e o Governo da AD para viabilizar a proposta de Orçamento do Estado para 2025. Mas desde a noite eleitoral que vivemos em modo de “não há vida para além do Orçamento”, num caminho que mais recentemente tem sido uma montanha russa de emoções, para quem se emociona com estes temas.

Pedro Nuno Santos começou por nos deixar perante a possibilidade de um “não” categórico. quando disse que seria muito difícil o PS viabilizar um Orçamento da AD. Depois apareceram as linhas vermelhas: IRS Jovem e descida do IRC nem pensar. E como proposta à diminuição de impostos, apresentam ao Governo um aumento das despesas públicas, como se isso não fosse igualmente difícil de reverter.

É só quando o primeiro-ministro apresenta a sua proposta a 3 de Outubro, que classificou como “irrecusável” é que entrámos verdadeiramente em terreno negocial. O Governo adoptou o modelo de IRS Jovem do PS, alargando-o em linha com o que os socialistas também queriam, e reduziu a sua ambição em matéria de IRC passando a descida de 21% para 17% em vez de 15% durante a legislatura, ficando em 20% em 2025.

Mas ao recuo muito significativo do Governo, o PS responde querendo basicamente que o Governo desista da descida do IRC, optando pelo crédito fiscal ao investimento ou, em alternativa, diminua o IRC em apenas um ponto percentual, não o fazendo mais vez nenhuma nos próximos anos, optando pelo crédito fiscal ao investimento.

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Claro que a proposta do PS para o IRC é muito difícil se não mesmo impossível de aceitar por parte do Governo. Sendo verdade que o PS deixou cair as suas linhas vermelhas, na verdade não está a fazer nenhuma aproximação ao colocar condições para a descida do IRC. Além disso, como afirmou o ministro Leitão Amaro na entrevista à RTP, sábado dia 5 de Outubro, o crédito fiscal ao investimento é uma arma para usar em situações de crise, como aconteceu no tempo da Troika e na pandemia, com o objetivo de acelerar o investimento.

Há várias interrogações que se colocam à estratégia de Pedro Nuno Santos em relação ao Orçamento.

A primeira é desde logo ter escolhido negociar a proposta de Orçamento. Como tem sublinhado António Costa Pinto, podia ter escolhido não negociar. Foi o modelo seguido por Marcelo Rebelo de Sousa com António Guterres – embora possam ter existido outros compromissos como o referendo ao aborto. Um caminho destes, sendo racional porque acabamos de sair de eleições, dava ao PS margem para criticar o Governo, demonstrando, como diz acreditar, que a política de redução de impostos do Governo não dá resultados. Aliás, o PS acabou, de alguma forma, a salvar a AD do seu absurdo modelo de IRS Jovem.

Mas tendo Pedro Nuno Santos optado pela negociação, não se percebe o caminho que seguiu e ainda menos a proposta de IRC que entregou ao Governo e que envolve decisões para 2026 e seguintes. Como diz Ana Sá Lopes, “ou o PS já está a disponibilizar-se para aprovar os próximos três [orçamentos], o que é uma bizarria, ou está a dizer que então já não contem – nos próximos – com os socialistas”.

As cedências do Governo da AD não se limitam ao IRS Jovem – por muito que achemos que a medida, não sendo boa, ficou bem melhor do que a original – e IRC. Há várias medidas no Acordo de Concertação Social que vão ao encontro das propostas do PS, mesmo que algumas de acordo com o programa do PSD. Assim, há pelo menos três medidas que actuam no sentido da descida do IRC: a majoração em 50% dos aumentos salariais; a consagração de um custo financeiro para as entradas de capital de forma que seja dedutível à matéria colectável e ainda a majoração em 20% dos custos com seguros de saúde. Junta-se a isso a redução das tributações autónomas.

Os economistas, como Susana Peralta, têm alertado para os problemas deste tipo de políticas em vez de nos ficarmos pela simplificação de uma taxa de IRC, já agora sem sobre-taxas com a originalidade de serem progressivas – no caso da derrama estadual, quem tem mais lucros paga mais, o que castiga não só as grandes empresas, mas dentro delas as mais eficientes.

Mas, infelizmente, uma das heranças da Geringonça é tentar disfarçar medidas que, reduzindo impostos, possam ser percebidas pelo eleitorado de esquerda, habituado ao populismo do discurso os “ricos que paguem”, como beneficiando os mais prósperos. É assim que nos enredamos em medidas e medidinhas que reduzem o IRC, mas que, como são em geral complexas, acabam por beneficiar os ditos “prósperos” e grandes capitalistas

Contrariamente ao que possa parecer, uma descida da taxa do IRC é mais amiga das Pequenas e Médias Empresas do que estas medidas e medidinhas, por muito que se possa perceber que se tenta com isso orientar as empresas a terem determinados comportamentos.

Estamos de facto perante um original processo negocial em que a proposta da conta do Estado é reduzida a duas medidas que o Governo já nem tinha a intenção de consagrar no Orçamento – são alterações à leis fiscais – e quando ainda nem conhecemos o documento. Além disso, com o acordo, caminhamos para complicar ainda mais o sistema fiscal já de si tão complicado. Junta-se a tudo isto uma estratégia do PS incompreensível. Para que nem tudo seja negativo, se houver acordo pelo menos contribuímos, mesmo que pouco, para não radicalizar ainda mais a sociedade.