No ano de 1297, Fernando IV, soberano de Leão e Castela, foi solicitado pela grande política a deslocar se ao lugar fronteiriço de Alcañices para assinar um tratado com o rei português, D. Dinis. Tinha então 12  anos o moço monarca e reinava há 2, não sabia ler nem escrever, mas competiu-lhe assinar um dos mais  importantes tratados alguma vez celebrados entre Portugal e os reinos de Espanha. Por esse tratado, D.  Fernando e a Espanha perdiam Olivença a favor de Portugal.

Olivença foi uma das várias praças e pedaços de terra que Portugal e Espanha redistribuíram entre si. O  tratado de Alcanizes teve essa particularidade, ter desenhado a mais antiga fronteira da Europa. Foi um  lindo dia aquele, apesar da indiferença mais completa das pessoas que viviam em Olivença. Em 1580 Olivença voltou à posse de Espanha, como o resto de Portugal. Com a morte do Cardeal D.  Henrique, Filipe II de Espanha herdou o trono vago contra a pretensão de sucessores menos legítimos.  Tinha chegado ao fim a dinastia de Aviz, depois de uma lenta agonia. O bom sangue dos Lencastres, que  Dona Filipa tinha misturado com o do hesitante D. João, tinha-se diluído demais. Portugal acabou com a  morte de um cardeal.

Ao fim de 60 anos Olivença voltou a ser parte do reino de Portugal. Poderia ser do Ducado de Medina Sidónia, porque só pela insistência de Dona Luísa de Gusmão, uma pundonorosa espanhola de Huelva,  filha do 8.º Duque de Medina-Sidónia e principal senhor de Huelva e Sanlucar de Barrameda, o seu João,  apontado para rei, mostrou um pouco de atrevimento. A restauração de 1640 aproveitou que a Espanha  estava de costas lutando com revoltas na Catalunha e deveu-se mais a interesses entre fidalgos do que a  uma aspiração nacionalista. Foi mal recebida por algum povo – que esperava D. Sebastião e não teve em  boa conta D. João, um rei temeroso dos Habsburgos que só abandonou Vila Viçosa na última – e necessitou de 28 anos de guerra com Castela para se consolidar. Assim, com a paz assinada no Convento de Santo Elói em Fevereiro de 1668, Olivença era, outra vez, de Portugal.

Durou a paz portuguesa de Olivença mais de 150 anos. A ameaça espanhola havia-a transformado numa  praça defensiva, indefensável segundo opinião de todos os estrategas estrangeiros. Era com certeza, por que em 1801 Manuel de Godoy, astucioso político e militar espanhol, conquistou Olivença. A Guerra das  Laranjas, durante a qual a coroa portuguesa perdeu Olivença, mas também Juromenha, Arronches e Campo Maior, foi uma pequena guerra que durou pouco mais de 15 dias. Sem exércitos, sem fortalezas, aliviado, Portugal assinou o Tratado de Badajoz e, alguns meses mais tarde, o Tratado de Madrid. Todas as  terras conquistadas foram devolvidas a Portugal menos uma: Olivença.

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No dia 1 de Maio de 1808, refugiado no Brasil, D. João VI publica no Rio de Janeiro um corajoso manifesto em que repudia o Tratado de Badajoz e reclama Olivença. Em 1811, o 1.º visconde Beresford, também conde de Trancoso, 1.º marquês de Campo Maior e duque de Elvas, General no Exército britânico e Marechal no Exército Português, reconquistou Olivença para alegria do Rei D. João. Olivença era mais uma vez portuguesa. Por pouco tempo. As tropas espanholas reocuparam Olivença na primeira oportunidade, já Beresford ia longe.

A guerra na península prosseguiu até Napoleão ser derrotado na Europa e generosamente exilado para  Elba, perto da sua Córsega natal. O Tratado de Paris de 1814 sancionava a sua derrota e, entre as inumeráveis decisões, foram declarados nulos os tratados de Badajoz e Madrid. No Congresso de Viena, no  mesmo ano, as fronteiras da Europa foram redesenhadas segundo o que ficara apalavrado em Paris e Portugal foi agraciado com a devolução de Olivença. O representante de Espanha, prejudicada como potência  perdedora, não aceitou os termos do tratado de Viena e a devolução a Portugal da praça de Olivença.

Para  os habitantes dos Llanos de Olivenza, com as suas 5 freguesias, fortaleza e várias igrejas, é de crer que  não fosse muito relevante a discussão tida em Viena e que todos vivessem como era mais prático – con fundindo as línguas, ouvindo a missa em latim e trocando mercadorias e fluidos entre os dois lados da  fronteira, sem polícia e sem patriotismo. Mas, na ideia de Espanha, Olivença continuava a ser espanhola.  Os anos seguintes foram de dilações e conversa, até que Portugal irrompeu por Cisplatina, uma terra no  fim do Brasil, a norte do Rio da Prata. Ambos os países, Portugal e Espanha, reclamavam aquele pedaço  junto ao rio – não pelo rio mas pela prata. A província ficou devastada pela guerra mas a determinação  espanhola prevaleceu. A Cisplatina foi tomada, pertenceu à Argentina, separou-se e ainda hoje fala espanhol – é um país independente, o Uruguai. Olivença, a 10 mil quilómetros de distância continuava a ser  vítima da rivalidade imperial entre Espanha e Portugal. As ondas de choque atravessaram o Atlântico e  em 1840 as autoridades espanholas proibiram o uso do português em Olivença.

Em 1864 os dois países decidiram demarcar a fronteira comum. Foi uma demarcação serena, excepto que  voltaram a não se entender quanto a Olivença – Portugal recusou-se a reconhecer a pertença espanhola e  aquele pedaço de fronteira, abaixo da desembocadura do rio Caia no Guadiana, ficou como estava, por  desenhar.

Com o franquismo Olivença foi submetida a uma colonização quase perfeita. Foram criadas povoações e  colonos espanhóis foram transplantados para o município de Olivença; a administração pública baniu os  nacionais de Portugal; o uso da língua portuguesa foi ainda mais reprimido, os nomes portugueses dos  lugares e das pessoas foram vertidos para castelhano, a escolarização passou a ser exclusivamente em  castelhano.

A quem pertence Olivença?

A resposta é tão difícil que, judiciosamente, ninguém faz a pergunta em voz alta. Porém, a pergunta tem  um pequeno interesse especulativo e devia merecer algum do precioso tempo dos políticos, dos carteiros e  dos contrabandistas – desde que, por questões de segurança, seja antecipadamente acordado que não será  dado crédito a qualquer hipotética conclusão.

A pequeníssima história de Olivença é exactamente a história das cidades, dos países e dos impérios. Olivença tem a particularidade de viver em paz.

A paz é uma conquista que deve tanto às armas como ao domínio sobre o orgulho e a vaidade. O preconceito histórico que dá mérito ao conquistador fomenta o início das guerras, tal como a humilhação dos  vencidos serve para a sua perpetuação. As duas atitudes são simétricas e tendem a ser adoptadas pelo discurso histórico como se fossem naturais.

A História é em grande parte um repertório de guerreiros que mataram, trucidaram e queimaram bibliotecas. Uma boa parte deles foram envernizados pelo tempo e reconhecidos como civilizadores. Quando os  encontram nos seus livros qualquer criança se empolga e deseja ser um Alexandre – um príncipe, herdeiro  de um reino e de imensos exércitos, com um professor privado que era do melhor que havia, com milhares de servidores para todo o serviço, permitindo-se viajar longe de casa durante 10 anos numa espécie de inter-rail a cavalo.

Os outros, os que tiveram a sabedoria de se reconhecerem vencidos, perderam-se na maior obscuridade,  ou são conservados na memória apenas para sofrerem o enxovalho e a desonra. A admiração da História  recai inteira sobre De Gaulle, um vistoso resistente que amava muito a França na longínqua Inglaterra, e  não sobre Pétain, o velho Marechal que amou os franceses sem sair de França. O direito dos povos tem de admitir todas as formas de ter razão: a conquista, mas também a resistência; o passado, mas também o presente; os grandes sentimentos históricos, mas igualmente o amor trivial; o trabalho árduo, tal como a ancestralidade improdutiva.

Hoje, Olivença pertence aos que lá estão a viver. São maioritariamente espanhóis, mas poderiam não ser.  São espanhóis porque ao fim de centenas de anos de trocas e convulsões ficaram lá, esgrimiram verdades e aldrabices, e as suas eram maiores do que as dos portugueses, confundiram o seu sangue com o sangue  dos portugueses, misturaram os falares. Portugal reconhece Olivença como ela é, e, por isso, também ela  lhe pertence. A sua fraqueza na questão de Olivença passa bem por sabedoria – involuntária, mas permitindo que hoje prevaleça a paz. Olivença é um lugar limpo, próspero e tranquilo. É mais importante isso do que saber de quem é. Seja o que for, deve tanto à bravura espanhola como à mansidão portuguesa. E  cada um dá o que tem.

É inconsequente procurar na história argumentos para sustentar o direito de Espanha a reclamar Olivença  – tal como para sustentar a primazia portuguesa. Consoante o ano escolhido e a importância atribuída aos  acontecimentos históricos assim foi decidido no passado a favor de um ou outro. Não é um bom método.  Num determinado momento histórico as terras pertencem a quem se apegou a elas e as acarinha, a quem não tinha outra e lá enterrou os seus mortos. É um critério perigoso, porque está muito próximo da imposição de um facto consumado. Mas é sensato aceitar que os longos e tortuosos caminhos que conduziram  a um determinado estado histórico foram muitas vezes justos e necessários. E o peso da justiça e da necessidade é muito grande quando resulta das movimentações dos povos, frequentemente é muito maior e  mais adequado do que o arbítrio de meia dúzia de homens sentados com um papel à frente.  Isto, é o que se tem passado com Olivença.

O Estado de Israel, uma estreita faixa de terra ocupada por judeus e árabes, está rodeado de nações hostis  maioritariamente de origem árabe e de confissão islâmica. Existem desproporções brutais entre Israel e os  seus vizinhos. Israel é um pequeníssimo estado, milhares de vezes inferior em tamanho aos que o rodeiam, e não tem riquezas conhecidas no subsolo. Deixou de ser inóspito à custa de um descomunal esforço  colectivo, cultivam-se nas suas terras recuperadas e irrigadas muitos dos produtos que os israelitas comem, as suas cidades foram erguidas prodigiosamente com jardins e bunkers.

A sua paisagem faz um chocante contraste com grande parte dos territórios vizinhos, desolados e paupérrimos. As condições degradadas em que vivem muitos palestinianos fora do Estado de Israel é insuportavelmente notória nos territórios dominados por grupos terroristas como o Hamas. Esses grupos armados  reclamam-se representantes do povo palestiniano e a sua pretensão tem tido a anuência indecorosa dos governos ocidentais e da ONU – muito mais lastimável no caso dos governos ocidentais, dos quais ainda  se espera algum decoro. Na realidade, não têm qualquer projecto para o povo palestiniano. Não sabem,  nunca saberão e não lhes interessa saber, como é que se constrói um Estado.

O povo palestiniano tem para o Hamas ou o Hezbollah um estrito valor instrumental. A representação que  dizem ter – cada um pelo seu lado e a par com outras organizações quiescentes como a Autoridade Palestiniana – é uma mentira inefável e configura uma confusa impossibilidade. Serve para beneficiarem de  algum reconhecimento das nações e para a captação das ajudas com que prosseguem no seu objectivo  único: destruir Israel e eliminar, finalmente, os judeus da face da terra. Esse é o seu propósito declarado,  único e histórico. Orienta todas as suas acções – desde que o Hamas se cindiu da Fatah e das suas iniciativas a favor da paz, e desde que o Hezbollah se instalou no Líbano e o transformou num campo de treino  militar.

O crédito abusivo de que goza como representante do povo palestiniano tem permitido ao Hamas financiamento para o seu projecto de extermínio. O Hamas sonega e subverte as ajudas internacionais em favor  da sua estrutura militar – cativa os alimentos para as suas tropas, o dinheiro para comprar armas, arranca  as condutas de água instaladas pelo Ocidente para improvisar rockets. A sua tosca máquina de propaganda é suficientemente eficaz para iludir palestinianos desamparados e sem mais nada e, mesmo grosseira e  delirante, é suficientemente simples para embasbacar activistas de esquerda. Ao ocidente vocal, activistas  de todos os activismos e governos com uma hiperacúsia manhosa para o ruído das ruas, não impressionam as inesgotáveis crianças e mulheres usadas como escudos enquanto são vivos, e aproveitáveis como  mártires depois de mortos. E, numa manifestação de sangrenta imparcialidade, também não se deixam ir  abaixo pelos milhares de israelitas civis que desde há dezenas de anos são diariamente fustigados e mortos pelas armas islâmicas – acontece, é pena… e, em face da pontaria aleatória dos militantes islamitas, até  se podem imputar à pouca sorte essas mortes de judeus.

A chamada rua árabe está a reformular a capacidade de influenciar inorganicamente as decisões políticas  mais delicadas. Tem de ser muito significativo que a causa dos palestinianos, e de um modo mais alarga do das populações de confissão islâmica espalhados por toda a Europa, seja defendida por grupos sociais comprometidos com causas ditas fracturantes. Essa identificação toca os limites da conivência e pode  evoluir para disrupções catastróficas.

O que sustenta a revisão woke da história, o empoderamento freak ou o acolhimento submisso do islamismo – entre outras tendências e muitas bizarrias – é a mesma aversão ao valores ocidentais. A morte do  homem branco, a reescrita do passado (com recusa da objectividade enquanto método), o desmoronamento da cultura greco-latina, revista pelos princípios judaico-cristãos e enriquecida pelo grande islamismo  medieval (que tem muito pouco a ver com o pensamento e prática islâmicas actuais), a subversão de padrões comuns de apresentação e reconhecimento através da recuperação de modos primitivos de identificação (tatuagens, piercings, etnicismos diversos), a imposição de individualismos desafiadores (a recusa  da autoridade e da conciliação, a violência como manifestação legítima), a reclamação de especificidades  optativas (identidade de género, de espécie, opções sexuais… disponíveis por imitação de casos espontâneos), a pragmatização das opções com menorização de valores éticos (o aborto enquanto direito ao corpo, a eutanásia, a post-verdade)… são traços que se misturam em grupos sociais muitas vezes diferentes  na origem, cultura e propósitos, mas que se unem nas ruas sempre que um único deles tenha pretexto para  tal.

Assim, cada manifestação a favor da causa palestiniana é na realidade um cacharolete de causas e reclamações a que os palestinianos são completamente alheios. Teria que ser assim porque eles próprios, nas  suas ruínas sem esgotos, estão alheados dos jovens que desfilam em Lisboa e das suas causas urbanas. O  activismo sustenta-se de causas urgentes e uma das que é mais útil, tão óbvia como inconfessável, é o fim  de Israel. Esse carácter manifesto mas inconfessável é um dos mais divertidos oxímoros sociais e, ao mesmo tempo, um dos mais enganadores – é por ele que um activista se torna parecido com um cozinheiro sem escrúpulos, especialista em servir gato por lebre.

Ao mesmo tempo que pugnam nas ruas um holocausto mais competente, uma vez que ainda existem demasiados judeus para o seu gosto, os activistas fracturantes aproveitam estar com as mãos na massa para  apelar à disponibilização do aborto quase ad libitum e à eutanásia antes que o arrependimento de outros  países seja conhecido.

Alguns espaços livres nas manifestações são aproveitados para reclamar contra os eucaliptos das empresas de celulose, porque são os únicos que não ardem e isso desmoraliza os activistas. E como os islamitas  não têm eucaliptos, nem se mostram competentes para transformar a imensa riqueza do petróleo em culturas seja lá do que fôr, nunca sofrerão com a falta de papel.

O fim dos combustíveis fósseis motiva um empenhamento mais cauteloso. A gasolina vem do petróleo, o  negócio de islamitas árabes, e é necessária para as motas. Os protestos nesta área sensível foram encomendados a miúdos desatilados, que sofrem horrores com as coisas que lhes disseram e foram atirados  para a rua em roda livre. São sempre passíveis de desautorização se isso fôr necessário, como já aconteceu, e embora possam chumbar na escola não haverá problema – o mundo vai acabar antes de serem necessários mais sociólogos.

Também há a luta contra mais uma era de aquecimento do planeta. A última ocorreu há cerca de 950 anos,  foi o Período Quente Medieval, já ninguém se lembra. Só foi possível porque não havia então, como há  hoje, tecnologia simples capaz de alterar o eixo da terra, ajustar um pouco a sua órbita e, sendo preciso,  enxugar algumas manchas solares. Hoje, são procedimentos fáceis, estão ao alcance de qualquer activista  suficientemente atrevido e com os rudimentos de inglês suficientes para ler o Guardian. Depois ainda há o colonialismo, o homem branco, o patriarcado, os trans e os cis, os gordos, as salas de  chuto, a violência policial, os empoderamentos… – os coelhinhos sempre em reprodução na fértil coelheira do activismo. É impossível pegar neles todos.

Nas manifestações de rua e no espaço digital misturam-se as causas. Na rua, são reconhecíveis por tarjas  ou placas de cartão escritas a marcador, erguidos em fila como pendões de procissão. Identificam confrarias, irmandades – tal como nas procissões – e embora seja notório que os seus portadores são dados ao zelo fanático, mais do que à compunção grave, delimitam pequeninos espaços de opinião.

A causa da Palestina, uma causa tipo e a que tem tido mais saída no último ano, tem defensores que, de  um modo geral, são os mesmos que se opõem ao alojamento local ou necessitam de casas de banho mistas. Deslocam-se de causa para causa, são reconhecíveis enquanto amálgama. Não se fundem completamente, movem-se em conglomeração como rochas recentes sempre à beira de se esfarelarem. São agregados de grupos e pessoas que contribuem com especificidades diferentes para a heterogeneidade mas, ao  mesmo tempo, parecem aos seus próprios olhos ser um povo inteiro em marcha.  Com pequenas variações determinadas pela causa do momento a amálgama conserva algumas características básicas. Também o seu reconhecimento é útil, se um dia alguém quiser perceber porque é que o  mundo demorou tão pouco tempo a tornar-se inabitável.

Existe um relativo predomínio de mulheres, ou pessoas que menstruam. A presença de outros seres vivos  em situação de pré-menarca e post-menopausa, reconhecíveis pela fisionomia e pelas roupas, é comum.  São bem tratadas embora se presuma que existam num limbo de definição biológica que durará até os activistas pensarem melhor no assunto

Há uma sobre-representação de mulheres lésbicas, de gays, transexuais em diferentes fases e indivíduos  sexualmente ambíguos. Têm um justo orgulho em ser quem são e mostram-se em qualquer oportunidade.  Não há mal nenhum nisso, é bom que assim seja se não puderem ter orgulho em outras coisas. Igualmente aparecem sobre-representados os negros, orientais, hispânicos, dreadlocks e meninas com  keffiyeh ao pescoço (o keffiyeh é um trajo de homem e é usado a cobrir a cabeça, a displicência das jovens  activistas é restrita a esse aspecto da decoração pessoal e não se estende, por exemplo, ao posicionamento  dos alargadores de orelhas). Com menos abundância desfilam outros representantes étnicos, sendo que  será necessário mais algum tempo de imigração até se verem mais bem representados.  Há deslocados e sem abrigo, artistas mal sucedidos, com tosse e devastados pela incompreensão, actores  sem subsídios, jovens sem casa, influenciadores e produtores de conteúdos, jornalistas com várias semanas de experiência, políticos.

As manifestações a favor da Palestina são muito semelhantes a todas as outras. Não há nelas nada que  esclareça a causa palestiniana, uma causa que não existe unilateralmente e é, de facto, a grande causa do  mundo actual e um momento civilizacional nevrálgico. O conflito que opõe o Estado de Israel aos grupos  terroristas de inspiração islâmica é somente uma erupção mais assanhada de um confronto como nunca  ocorreu a nível global. Não é em rigor um confronto de civilizações porque não há conteúdo civilizacional na versão jihadista do islão. É um confronto entre a civilização ocidental e uma mescla ideológica que  pretende a sua destruição.

O mundo islâmico tem mostrado uma disposição hostil de domínio que já conquistou fragmentos importantes nos arrabaldes das cidades e em muitas mentalidades, provavelmente também periféricas. Não tem  estratégia bem definida e ensaia modelos de conquista ao sabor das oportunidades e dos pretextos, conta para isso com o sonho suicidário dos seus crentes, dispostos a todas as experiências e sacrifícios. Ensaiaram as grandes carnificinas, no 11 de Setembro e mais recentemente no 7 de Outubro, também pequenas carnificinas com homens-bomba, facas e veículos com acelerador a fundo, ocupação de territórios  para bases operacionais, como no Líbano, migração em massa para países ocidentais e constituição de  guetos com lei própria e expansíveis no terreno, doutrinação em madraças, universidades ocidentais e  meio digital. Como doutrina de fundo de todas essas acções e práticas existe a recusa de um estado de  Israel, expressa desde o primeiro dia em que foi atribuído ao povo judaico uma pequena faixa de terra.  Israel encontra-se na linha da frente desse confronto. Porque há um contacto do seu espaço geográfico, e  no caso particular de Jerusalém uma sobreposição, com o espaço reclamado pelos palestinianos. Porque  ocupou terra palestiniana na tentativa de controlar as agressões diárias que já custaram milhares de vidas  israelitas. Porque é o único espaço no Oriente Médio onde 1 800 000 de palestinianos vivem em paz e são  livres. Porque lhe pertencem muitas das mais avançadas criações humanas e são um viveiro de Prémios  Nobel. Porque é provocadoramente resistente, tem o respeito dos países, e reserva para a ONU a consideração que a ONU merece.

A propriedade de uma terra não resulta de uma herança nem de partilhas, legitima-se a partir de uma identidade. Esta, é construída penosamente, não por aqueles que lá vivem num instante acidental da história  mas por aqueles que lá têm enterrados os seus mortos. E quando o presente de um povo coincide com a  sua memória ainda é mais indiscutível o seu sentimento de pertença a um lugar. Israel está perfeitamente  onde está.

É admissível que um outro povo, vizinho e desgraçado como costumam ser os grandes revoltados, incapaz de perceber o que lhe está a acontecer – a anulação da auto-estima e da inteligência colectiva, o desprezo total dos que lhe são mais próximos culturalmente, a permanente humilhação de não conseguir sair da cepa torta – entenda vagamente que o que lhe faz falta é mais um bocado de terra. Esse é o mais terrível de todos os erros e ilusões que têm sido impostos ao povo palestiniano por sucessivas cliques dirigentes. O povo palestiniano foi conduzido ao abismo pela cegueira e pelo fanatismo de partidos combatentes e está hoje aprisionado por eles. É refém, é escudo e é pretexto – são as crianças palestinianas que os homens do Hezbollah e do Hamas usam para se protegerem e, no caso de sobreviverem, para se reproduzirem e aprenderem a apertar um cinto com explosivos. O povo palestiniano, na configuração que o Hamas  lhe impôs desde os acordos de Oslo, não é aceite em lugar nenhum, nem sequer por aqueles que partilham com eles a cultura e a religião. Apenas no Líbano vivem alguns milhares que se impuseram pela força das  armas e destruíram um país que foi o mais próspero e aprazível do mundo árabe.  A história do Médio Oriente nos últimos 100 anos não é simples. Mas tem sido deliberadamente obscurecida por meias verdades e mentiras completas.

A recusa de um estado israelita tornou-se visceral a partir dos primeiros anos do século XX quando muitos judeus perseguidos retornaram à que consideravam a sua histórica terra-mãe em busca de refúgio. A  sua história de 2 milénios, recorde-se, era uma história de perseguição e massacres sofridos com resignação forçada. Os seus caracteres distintivos enquanto povo desenvolveram-se nessa peregrinação por uma  Europa que se queria cristã contra o judaísmo, onde comunidades inteiras de judeus podiam ser sacrificadas quando era necessário um bode expiatório. Foi nesse ambiente de permanente perseguição que seleccionaram a capacidade de resistir, a inteligência e a criatividade. Tornaram-se estudiosos e cultos, usurários e médicos, porque não lhes foi permitido exercer qualquer outra profissão ou aceder a outra aristocracia, e conservaram uma identidade cultural sólida.

Desde o princípio do século XX que o seu regresso à Palestina foi recusado pelos povos que ali viviam,  espalhados na imensa terra. O protectorado inglês daquela região tornou-se insuportável para os ingleses, indisponíveis para padecer por mais tempo a falta de colaboração de árabes e judeus. Fizeram o que as  potências com poder colonial faziam e continuariam a fazer: despediram-se com uma declaração mal amanhada, a Declaração de Balfour, uma carta de simpatia e recomendação para a criação de um Estado  judaico. A expressão “national home” e o reconhecimento suportativo do sionismo acentuaram a animosidade árabe e lançaram as raízes do conflito actual.

Após a segunda guerra mundial a reconfiguração de fronteiras aconselhou as Nações Unidas a resolver o  problema do território da Palestina propondo a sua partição entre Israel e os Estados árabes. A resolução  de 1947 foi acolhida por Israel e rejeitada pelos líderes árabes, incluindo os de maioria muçulmana. Em  14 de Maio de 1948, David Ben-Gurion declarou a fundação do Estado de Israel.  Ben-Gurion era um polaco que conhecera as prisões russas e os progroms anti-semitas do leste europeu,  vivia e trabalhava na Palestina desde 1906, conhecia tudo o que havia a conhecer para desejar um estado  judaico. No dia seguinte à sua declaração de independência, em 15 de maio, exércitos árabes combinados  – Egipto, Síria, Iraque, Jordânia, Líbano e Arábia Saudita – atacaram Israel, continuando a guerra que haviam mantido durante o mandato britânico. Como resultado, Israel manteve o povo que se dizia palestiniano afastado das suas fronteiras e os países árabes que suportavam a sua causa retiraram-se. Nenhum deles, alguns com terra e riquezas, aceitou acolher palestinianos em sua casa. A Jordânia viria a fazê-lo um dia e arrependeu-se. O Líbano também estará arrependido, mas a sufocação que lhe é imposta pelo Hezbollah e o Irão não lhe permitem a expulsão dos palestinianos.

A identidade Palestiniana tem muito pouco de genética ou cultural. São um povo semita como muitos outros povos que passaram por aquela zona, incluindo israelitas, mas devem igualmente contributos à miscigenação com povos da península grega, Anatólia e sul europeu. Todos eles contribuíram para a sua  composição genética embora muito pouco para um possível cosmopolitismo cultural. Culturalmente o  povo palestino conserva tradições ancestrais, hábitos primitivos e uma submissão religiosa, e inerentemente política, aos princípios mais obscuros da islamismo. A riquíssima cultura islâmica, que durante séculos iluminou a Europa e esteve na origem das mais belas e criativas realizações do espírito humano, perdeu-se. O povo palestiniano é hoje um povo triste e oprimido pelos seus próprios líderes, perdido  numa luta sonolenta contra outras facções islâmicas, que ainda mal emergiu da primeira guerra mundial e  da derrota otomana para uma liberdade próspera. Ao fim de 100 anos continua com medo dos seus fantasmas, sem encontrar caminhos na vasta terra de que dispõe e incapaz de perceber a história.  A actual identidade palestina é uma imaginosa criação recente, aparece no século XIX na região submetida pelo Império Otomano e foi um argumento de resistência contra o turco. A ideia de que os palestinos  formam um povo distinto é uma criação ainda mais recente, convenientemente propalada no contexto da  ascensão do nacionalismo árabe.

A Palestina será aquilo que o mundo permitir que ela seja. Será trágico se um dia fôr o que os líderes do  Hamas e do Hezbollah querem. A capacidade de intervenção no seu próprio destino por parte dos palestinianos comuns é limitadíssima. Acumulam décadas de submissão e de esvaziamento cognitivo. Se forem entregues aos que se arrogam seus líderes e fôr permitido a estes chegarem ao mar, a Palestina transformar-se-á num lugar de desolação e tragédia.

A nação Palestiniana não existe, é um povo sem destino e sem governo a viver maioritariamente num território dito Palestina (menos de metade do total estimado de palestinianos espalhados pelo mundo), mas  também na indefinida Cisjordânia, na Jordânia e em Israel. Os palestinianos que vivem em Israel são em  maior número do que os que vivem em países árabes com o Líbano, a Síria, o Egipto, a Arábia Saudita, o Catar, o Kuwait, o Iémen, o Iraque, a Líbia. O Irão, grande apoiante da causa Palestiniana, acolhe um  número residual de poucos milhares de palestinianos, maioritariamente estudantes, diplomatas, trabalhadores sem estatuto de refugiados. Esta é a realidade triste do povo palestiniano.

A Europa tem uma culpa histórica nos acontecimentos que flagelam a Palestina. Mas não foi apenas o  Império Britânico que abandonou a Palestina para se eximir a um pântano. Muitos outros fins de dominação colonial foram feitos segundo a mesma pressa criminosa.

Os seus resultados são visíveis em África –  o mais trágico e risível agregado de países mergulhado em morte, corrupção, vergonha e medo.  Apesar disso, à comunidade internacional inquieta apenas o conflito israelo-palestiniano, tem para com  ele uma atenção preferencial radicada nos interesses e na proximidade. Os governos reúnem-se, fazem  declarações penosas. Nas ruas, manifestam-se com ignorância incendiária activistas que pensam gostar de  palestinianos e mandaram vir pela Amazon lenços bué de cool. Apesar de poucos e com mau aspecto, parecem estar convencidos que proteger a escravidão das mulheres, a perseguição e morte de minorias, a  perpetuação de tradições absurdas, é a sua missão histórica. Os governos ocidentais, fracos, ocupados por  profissionais medíocres, eleitos por uma mistela corrosiva de gente, cães e gatos, têm dificuldade em ver  a razão e, se por acidente a vêem, rapidamente se escondem dela. Afinal, o seu papel não é governar. É  satisfazer todos, porque todos votam.

A Europa necessita de abrir os olhos, revisitar o seu passado recente e olhar para o presente. A Europa é  hoje o destino ambicionado por milhões de migrantes económicos que procuram o colo do colonizador  para escaparem a tudo o que há de pior nas suas terras – viriam todos se pudessem, só restariam naqueles  países de ficção os seus presidentes corruptos, as suas cortes venais, os seus exércitos pretorianos, os seus  palácios pindéricos e as suas frotas automóveis, todo um assustador teatro sustentado pela exploração e  pelo dinheiro de uma cooperação com má consciência. Se Israel desaparecer é enorme o risco de algo  equivalente vir a acontecer. A experiência das primaveras árabes, ajudadas pela mania ocidental de impingir a sua moda mais frágil e difícil, a democracia, resultou no mesmo que resulta de fazer jardins e  parques infantis em muitos bairros – anarquia e vandalização. Isso não pode ser dito, não por ser mentira  mas porque é verdade. E essa é a mais traiçoeira doença do ocidente – não importa a verdade, deve ser  respeitada a mentira de cada um. É uma técnica aparentada com a que é usada para lidar com os conteúdos psicóticos: evitar a confrontação e ter empatia. A diferença fundamental é que a psicose é uma doença  e o mundo não é um hospital psiquiátrico.

A comunidade internacional não lida com o povo palestiniano. O chamado Estado da Palestina não existe,  não tem instituições nem oferece um interlocutor credível para a União Europeia ou para os Estados Unidos. A ONU aceita como representante da Palestina o dirigente da Fatah, uma organização considerada  vegetativa pelos activistas da rua europeia e repudiada pelo Hezbollah e pelo Hamas. Não é mau homem  Mahamoud Abbas, mas esse é a sua principal debilidade naquele mundo em que a loucura e a crueldade  aparecem como qualidades. É um derrotado do Hamas, um dos primeiros, e hoje é um exilado da faixa de  Gaza. Não é ele que os países ocidentais e a ONU escolhem para discutir o problema palestiniano e nesse  sentido é também um derrotado do ocidente.

Os Estados Unidos e a União Europeia alinham-se atrás de declarações salomónicas que aplacam o Islão  belicoso e humilham o Islão que quer pacificar. Fazem-no por medo, insensatez, comodismo, conveniência e cinismo. Seja qual fôr a razão conduzem ao mesmo fim: a continuação do terrorismo por parte do  Hezbollah e do Hamas.

O Estado de Israel tem conseguido resistir à incessante chuva de rockets e bombas que todos os dias desde 14 de Maio de 1948 caem sobre a sua população. É possível que consiga continuar a ser o país mais  desenvolvido do mundo, de onde têm surgido muitas das maiores criações do espírito humano e a quem o  mundo deve uma boa parte do conforto e da saúde de que desfruta, um país onde cabem a tolerância com  que acolhe palestinianos que não usem coletes explosivos e a naturalidade com que os aceita, mesmo que  sejam homossexuais ou se identifiquem com um alce das estepes. Mas durante quanto tempo será assim? Israel é uma das frentes onde se discute o futuro da civilização ocidental. É a mais decisiva porque nela se  concentram um conjunto de valores que não existem em mais conflito nenhum: a liberdade, a tolerância e  a modernidade. Se os países ocidentais não compreenderem isso e não concertarem respostas adequadas,  Israel cairá. No entanto, para ninguém embandeirar em arco – seja o senhor Pedro Sánchez ou o senhor  Almeida, que tem uma tabacaria na minha rua e também não gosta de judeus – Israel, provavelmente, será  o último a cair.

Olivença teve mais sorte que o Estado de Israel. É uma terrinha pequena, a única riqueza que os portugueses têm por ali perto é o queijo da serra e a azeitona de Elvas, insuficientes para alvoroçarem a comunidade internacional. Ao menos isso.