Os recentes acontecimentos da Cova da Moura e de outros bairros da Grande Lisboa trazem-nos de novo a leitura preconcebida da classe política e de alguns agentes da comunicação social.

Uma cidadã de pele negra disse na televisão que “morreu um irmão nosso”, o que significa que os afrodescendentes são genericamente mais “racistas” do que os outros portugueses, porque nenhum “branco” quando morre alguém da sua cor de pele, mesmo que às mãos da autoridade policial, diz que morreu um “irmão” seu.

Enquanto em democracia não percebermos que temos de ouvir tudo e todos, da dita extrema direita à extrema esquerda, a radicalização surfará a onda do chamado pensamento único, o pior de todos os males para a saúde de uma democracia. E, na verdade, tanto houve narrativa radical por parte de deputados do Chega como por parte de deputados do Bloco, uns a defender o agente da PSP antes das conclusões do inquérito e a dizer que fez bem, outros a justificar (in extremis, apoiar) a subsequente revolta nas ruas, que destruiu equipamentos públicos e quase matou um cidadão (branco).

Em democracia não se justifica o delito de opinião por dá cá aquela palha, mesmo que aparentemente haja o alegado incitamento à violência, porque as ações ficam-se com quem as pratica. Aliás, é curioso que nas redes sociais passam os apelos à “tomada” de Lisboa e à violência contra a polícia, mas são censuradas posições políticas expressas em alguns posts no Facebook.  Como escreveu o sociólogo espanhol Manuel Castells, “o desafio é manter a liberdade na rede”, porque o ódio, a pedofilia, o tráfico de seres humanos, por exemplo, não são um problema da rede, mas da sociedade, e é nesta que devem ser escalpelizados e combatidos.

É conhecida a frase de Tallentyre, atribuída a Voltaire: “Desaprovo o que dizes, mas defenderei até à morte o teu direito a dizê-lo”.

Enquanto não se perceber isto a Democracia, pilar do Estado de direito democrático, estará por cumprir na sua plenitude.

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