Em Portugal a democracia não é servida fria, mas à la carte.

No cardápio dos políticos portugueses, a palavra democracia é vilipendiada com o mais descarado despudor.

Agora foi a vez de António Costa, primeiro-ministro demissionário, ex-secretário geral do PS, atual detentor da pasta dos transportes e das infraestruturas do governo provisório, vir a terreiro afirmar que o parlamento português demonstrou “maturidade democrática” ao aprovar o primeiro troço entre o Porto e Oiã (Aveiro) da famigerada linha de alta velocidade, vulgo TGV, que teria mesmo de ser iniciado sob pena de se desperdiçarem os 729 milhões de euros que Bruxelas reservou para a obra.

À boa maneira portuguesa, a realização de qualquer coisa (projeto, obra, iniciativa) deixa-se ficar para o último dia, como as tradicionais compras de Natal!

Mas o busílis não reside nisto. Preocupa-nos antes que, a propósito de uma decisão colegial tomada num órgão de representação popular, neste caso a Assembleia da República, se venha falar em maturidade democrática, mesclando os conceitos de soberania e de democracia.

Também poderia assim António Costa afirmar que todo o cidadão que não concorda com a construção de um novo aeroporto (de Lisboa), como o autor destas linhas, não revela maturidade democrática, pelo simples facto de não corroborar uma narrativa que é a sua ou a dos seus correligionários.

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Mesmo que Costa se referisse ao sentido de oportunidade da decisão parlamentar não é caso para papaguear a palavra “democracia”, banalizando-a.

Da mesma forma, se o primeiro-ministro em funções aludiu ao sentido de Estado dos deputados que votaram a favor (todos à exceção dos parlamentares do Chega que se abstiveram) também não presta um bom serviço ao regime democrático, porquanto o condiciona às tomadas de posição dos eleitos que não resultam de um verdadeiro escrutínio popular. Nas triviais palavras de Lincoln, “a democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo”.

Esta caricatura do modo de governo que é a democracia, nas conhecidas palavras de Winston Churchill “a pior forma de governo, à exceção de todas as outras que já foram repetidamente experimentadas”, mais não faz do que baralhar as ideias de um povo já por si refém de manifesta iliteracia política, que o impede de tomar as melhores decisões para a sua vida e para o futuro das gerações vindouras.

Pensar ou dar a ideia que uma decisão tomada maioritariamente é um sinal de vitalização da democracia é uma torpe degenerescência de um verdadeiro pensamento democrático que, intrinsecamente, não convive bem com a unicidade e com o totalitarismo ideológico.

Uns furos abaixo do filósofo francês de origem argelina Jacques Rancière está o nosso político António Costa, quando aquele afirma que a democracia é o regime do “dissenso” que, apesar de criar cisões na sociedade e, eventualmente, adiar decisões, contrapõe a reciprocidade cívica e a rotura de toda a lógica de comando.

É caso para dizer Ai Costa, a vida Costa! como no bordão utilizado pela sitcom “Os Malucos do Riso” da década de 1990, uma locução sem sentido e função morfossintática, que se repete de forma automática, mas que agora parece ganhar algum sentido, fruto dos rocambolescos episódios que têm assolado os últimos meses da governação de Costa.