À partida, a existência de um Governo sem suporte parlamentar maioritário confere aos atores da oposição acrescida margem de manobra para agir. Neste quadro, a atenção, além de estar centrada no Executivo, reparte-se pelas outras forças políticas com expressão eleitoral relevante. Ao maior grau de atuação de que elas dispõem corresponde uma maior responsabilização pelas suas ações. E isto é um pau de dois bicos: ao mesmo tempo que os maiores partidos da oposição não estão condenados a um papel de figurantes, o tipo de contracena que escolhem praticar, no decurso de uma reflexão interna intrincada, pode pôr em causa a sua imagem política.

Atualmente, o contexto orçamental é um exemplo paradigmático disso mesmo. Então vejamos: a tarefa do Governo, do PSD e do CDS é clara e óbvia: defender o seu Orçamento do Estado; já o PS e o Chega veem-se confrontados com um dilema. E é assim que a pedra no sapato que é a minoria sai do Executivo e se vira contra a oposição. O ponto é este: a AD está relativamente tranquila porque pode fazer o que é suposto que faça, enquanto o PS e o Chega ponderam, a contragosto, a possibilidade de virar o bico ao prego no que respeita à sua posição de base e/ou àquilo que partes dos seus eleitorados esperam. É que estes dois intervenientes, tal como o primeiro-ministro, dispensam eleições e não querem ser causadores de instabilidade política.

Ao contrário de uma maioria absoluta, aqui o cenário impele a que alguém comprometa a sua coerência, dando ao Governo a benesse da passagem de um orçamento que, mesmo com negociações, será, necessariamente, sempre mais fiel ao programa da coligação vencedora das eleições do que ao do partido da oposição que acabar por ficar com o encargo da viabilização, se ela acontecer. E este facto é mais problemático para o Chega do que para o PS, já que para o partido de André Ventura a abstenção não é suficiente para o orçamento passar, mas ficar colado a ele com uma luz verde total (voto a favor) seria desproporcional — mais ainda tendo em conta que a parceria em que insistiu no pós-legislativas não avançou por recusa do primeiro-ministro. Por sua vez, o PS, bastando abster-se, o que supostamente fará caso consiga influir no documento, foi ao longo do tempo ficando menos intransigente quanto a esta questão — parece que uma das notórias diferenças entre Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro na disputa interna, a da permissividade com uma governação minoritária do PSD, pode, afinal, desvanecer-se.

As negociações orçamentais, formais e informais, tomam, naturalmente, o seu devido tempo, num ambiente em que o Chega pode ensaiar a sua disposição para passar de partido de protesto para partido de concretização, enquanto o PS pode fazer valer uma postura construtiva não estando no poder — aspetos não venerados nem consensuais em ambos os partidos dada a presumida colaboração, respetivamente, com o sistema e com o centro-direita. Neste momento, os eleitores socialistas e os da força sentada mais à direita não sabem o que virá. Quem não parece estar incomodado é Luís Montenegro, para quem a alternativa de governar em duodécimos não é um bicho-papão, embora prefira, claro, uma aprovação com o mínimo de cedências possível. A responsabilidade política está tripartida, mas apenas um é necessário para consumar o ónus com a AD.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR