Num momento de transformação a nível geopolítico e institucional, em que as incertezas face ao futuro, aparentemente, se acumulam no horizonte, o Orçamento da União Europeia (UE) permanece um instrumento fundamental para a implementação das políticas europeias e é central para responder às necessidades e aspirações dos nossos concidadãos.
Por isso, a aprovação do maior orçamento da história da UE, correspondendo a um investimento de 199.438,4 milhões de euros, em áreas fundamentais como coesão, competitividade, agricultura e segurança alimentar, defesa e segurança, proteção civil, relação da UE com países vizinhos e com o mundo, nomeadamente ajuda humanitária, é, definitivamente, uma boa notícia. Para além disso, foi assegurada a disponibilidade de 800,5 milhões de euros em reservas e margens orçamentais, abaixo dos limites máximos de despesas do atual Quadro de Financiamento Plurianual (QFP) 2021-2027, dando à UE uma significativa capacidade de reação a necessidades imprevistas.
Após prolongadas e difíceis negociações, foi alcançado acordo no Comité de Conciliação Orçamental, que tive a honra de integrar enquanto membro da equipa de negociação do Parlamento, o qual junta as três instituições europeias: o Parlamento e o Conselho, que constituem conjuntamente a autoridade orçamental, e a Comissão, que assume o papel de mediador nas negociações.
Quero, em primeiro lugar, destacar os bons resultados obtidos pela equipa de negociação do Parlamento. Foram evitados todos os cortes ao orçamento, inicialmente propostos pelo Conselho. Foi também assegurado o aumento de 230 milhões de euros, face à proposta inicial da Comissão, no financiamento de programas de grande relevância para os europeus, nomeadamente Horizonte Europa, Mecanismo Europeu de Proteção Civil, promoção dos produtos agrícolas da UE, apoio aos jovens agricultores, mobilidade militar, proteção das fronteiras externas e ajuda humanitária. Foi, igualmente, alcançado acordo para incrementos de dotação e de funcionários nas Agências e organismos como a Procuradoria Europeia e a Europol.
Em segundo lugar, quero evidenciar a inclusão da proposta do RESTORE para assistência financeira adicional aos Estados-Membros afetados pelas recentes catástrofes naturais e a respetiva orçamentação, com a inscrição nos valores em reserva. Este facto permite acelerar, já em 2025, a disponibilização de 3.000 milhões de euros aos países e regiões mais afetados por catástrofes naturais, como cheias, secas e fogos florestais, entre os quais se encontra Portugal.
Importa salientar que, no presente orçamento, o Programa Erasmus+ vê as suas verbas aumentadas em 595 milhões de euros, face a 2024, sem implicar o aumento das contribuições dos Estados-Membros. É o maior aumento anual de sempre deste “Programa bandeira” da UE.
Destaco, ainda, o compromisso alcançado para pagar os custos adicionais referentes aos juros do Instrumento de Recuperação da União Europeia (EURI), o conhecido PRR, que em 2025, possivelmente, representarão mais 2,4 mil milhões de euros, do que inicialmente previsto. Foi definido que os valores adicionais serão custeados em 50 % das margens orçamentais e das flexibilidades e em 50 % das anulações de dotações de autorização coletadas durante o período do QFP. O objetivo do Parlamento Europeu é que o pagamento dos custos adicionais da dívida seja feito com o mínimo impacto possível nos orçamentos de 2025 a 2027, evitando cortes nos programas da União.
Face a todas as condicionantes, nomeadamente a conjuntura económico-social que vivemos, os limites definidos aquando da revisão do atual QFP, as disposições financeiras que regem o orçamento da UE e as normas inscritas nos tratados que estipulam a percentagem máxima de contribuição dos Estados-Membros para o orçamento, este é um bom orçamento para 2025.
No entanto, é preciso fazer mais e fazer melhor em anos futuros. Face aos desafios que se perspetivam, particularmente nas áreas da competitividade e da segurança e defesa, é fundamental reforçar o orçamento da UE, de modo que este corresponda às suas atuais prioridades, bem como reformar o procedimento orçamental plurianual de modo a dar maior flexibilidade ao orçamento para responder a um mundo em constante mudança e cujos desafios são cada vez mais complexos e exigem respostas a vários níveis.
É imperativo dotarmos a União de um quadro orçamental mais focado e que permita responder eficazmente a tudo o que esperamos dela. É fundamental desburocratizar e simplificar o acesso aos fundos, garantindo que o dinheiro chegue de forma célere e eficaz à economia e aos cidadãos, sem comprometer os mecanismos de controlo, de auditoria e de responsabilização. É, ainda, necessário dar maior flexibilidade ao orçamento e garantir o maior valor acrescentado por cada euro investido, salvaguardando a eficiência orçamental e os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.
Nesta questão, considero fulcrais as negociações do próximo QFP, bem como a resolução da questão dos novos recursos próprios da UE.
Na carta recentemente enviada pelo Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, à Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, apresentando as prioridades de Portugal para o Programa de Trabalhos da Comissão 2025-2029, é salientado que o maior nível de ambição que se espera tem de ser correspondido por um igual nível de recursos financeiros disponíveis, “O quadro financeiro plurianual deve ir além do tradicional 1% do Rendimento Nacional Bruto. A nossa resposta aos desafios comuns e a prossecução do nosso nível comum de ambição em domínios fundamentais (…) não podem ser alcançadas em detrimento de políticas vitais da UE.”
Além disso, é reiterada a necessidade de ser preservada a centralidade e eficácia de políticas como a Política de Coesão e a Política Agrícola Comum, dado que são instrumentos estruturais de investimento no nosso futuro, garantindo a competitividade, resiliência e convergência da UE, fortalecendo a sua presença e ação no mundo.
Neste sentido, o Primeiro-Ministro refere: “para garantir que a UE dispõe dos recursos financeiros necessários para prosseguir os seus objetivos, teremos de trabalhar, nomeadamente, em novas fontes de financiamento, como os recursos próprios e a dívida comum.”
Esta posição de Luís Montenegro é a que melhor defende o futuro da União. É necessário diversificar as fontes de financiamento da UE e encontrar um novo equilíbrio das receitas, bem como a imperiosa necessidade de abandonar o dogma do «1 % do RNB da UE». É vital encontrar novas formas de financiamento do orçamento que não signifiquem um aumento da carga fiscal sobre os contribuintes europeus.
Neste sentido, recordo as propostas já aprovadas pelo Parlamento Europeu, num relatório da autoria do atual Ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes, cuja decisão se encontra bloqueada no Conselho: comércio de licenças de emissão de carbono, mecanismo de ajustamento carbónico fronteiriço e a tributação internacional das sociedades.
O orçamento de 2025 representa um passo prudente, mas tímido, no caminho da construção europeia. É um orçamento realista e necessário, que responde às necessidades imediatas, mas não à ambição total de uma União verdadeiramente competitiva, resiliente e preparada. Para além dos números e das negociações, o que este exercício orçamental revela é a necessidade urgente de mais coragem política, de uma visão mais audaciosa que transforme a retórica do avanço da construção da União Europeia em ação concreta.
A União Europeia precisa de líderes que ousem ir além dos limites tradicionais, que vejam para além dos constrangimentos burocráticos e financeiros atuais, e que estejam dispostos a arriscar por uma integração mais profunda e significativa. Este orçamento é bom, mas não é suficiente; é um lembrete que o sonho europeu requer mais do que compromissos, requer transformação.