A solução governativa encontrada pelo PSD na Região Autónoma dos Açores une a direita democrática à extrema-direita através de um acordo que deve ser analisado na perspetiva dos valores políticos e não da legitimidade político-estatutária.

As declarações de Rui Rio mostram que desvaloriza os termos e as consequências do acordo e que não terá problemas em fazer algo semelhante a nível nacional. Assim, a situação política nos Açores é imputável ao PSD e aos restantes partidos da direita democrática, ressalvando-se e enaltecendo-se, contudo, as mulheres e os homens da direita democrática que se têm manifestado contra o acordo.

O pacto entre o PSD e o Chega, sendo condição necessária para a viabilização do Governo regional, é aceite por todos os partidos da maioria parlamentar que o suporta: o CDS, o PPM e a IL são corresponsáveis pelo acordo do PSD com o Chega. Só a falta de carácter permitirá que qualquer um destes partidos se exima dessa responsabilidade.

É, aliás, provável que se assista a uma tentativa de higienização do Chega: isto será feito por pensadores e comentadores com a cumplicidade explícita ou tácita de políticos de direita: umas vezes por oportunismo, outras por convicção.

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É cómico ouvir-se falar no regresso da AD, como se o Chega não fizesse parte desta coligação. Vamos ser claros: o Chega é um partido de extrema-direita, xenófobo e iliberal, sendo suficiente para justificar esta caracterização relembrar as suas propostas da castração química e do confinamento da comunidade cigana. Por mais acrobacias que sejam feitas, o certo é que a direita democrática cedeu, no plano dos valores e no plano estratégico, à extrema-direita.

O pacto é, pela simples razão de existir, uma cedência nos valores fundamentais da democracia pela direita democrática, conduzindo a uma normalização da extrema-direita e da xenofobia no sistema político. O acordo consubstancia uma relativização dos valores fundamentais da democracia, onde todos os ganhos da extrema-direita terão como reverso a erosão dos valores democráticos.

A direita democrática podia ter optado por uma estratégia de contenção da extrema-direita e da propagação dos seus valores antidemocráticos, recusando o apoio desta. O momento andaluz português traduz-se numa indiferenciação valorativa à direita: a abertura da direita democrática a pactos com a extrema-direita significa que o voto numa ou noutra é indiferente: haverá sempre acordo. Como resultado, teremos uma direita democrática a ser absorvida pela extrema-direita e a ficar cada vez mais refém desta.

Os termos do acordo celebrado mostram que a ideia de moderação da extrema-direita é absurda: o Chega tem ganhos de causa significativos na implementação da sua agenda: os compromissos de redução do número de deputados no Parlamento regional e a “redução significativa da subsidiodependência” são a expressão de uma agenda populista e de ostracização de pessoas vulneráveis.

A utilização do termo “subsidiodependência” é, em si, um programa político de exclusão social que, acompanhado da medida cega de redução para metade do valor do RSI, ganha dimensão de ostracização metódica. O PSD compromete-se a levar a cabo um processo de empobrecimento e de estigmatização social dos nossos compatriotas açorianos, perpetuando a agenda populista da extrema-direita.

A redução do número de deputados insere-se numa estratégia do Chega de erosão das instituições democráticas e de descredibilização dos titulares de órgãos políticos. O PSD, ao pactuar com isto, participa num processo de contínua desvitalização da democracia. Não deixa, contudo, de ser curioso ver o CDS, o PPM e a IL aceitarem um acordo que, pretendendo reduzir os deputados no Parlamento regional, significa uma perda substancial da sua representatividade parlamentar.

Tudo isto torna evidente que não é possível fazer uma equiparação entre esta união das direitas com as convergências à esquerda, como agora a direita tenta desesperadamente fazer. É que é muito claro o que distingue os acordos à esquerda dos acordos à direita: o PSD funda os seus acordos à direita na promoção de uma agenda populista e no ataque miserável aos mais vulneráveis; o PS funda os seus acordos à esquerda na proteção dos desfavorecidos e na inclusão social, cimentando a democracia e os seus valores.

À primeira oportunidade, o PSD e o CDS, que enchem a boca para falar da Pátria, cedem, sem hesitações, nos valores fundamentais do patriotismo: a solidariedade e a democracia. As dúvidas ficaram esclarecidas: na Assembleia da República, assim que houver uma oportunidade, a direita democrática fará um pacto com a extrema-direita.

Os cangalheiros das direitas unidas começam agora a abrir a cova da democracia. Só a esquerda democrática pode impedir que ela seja sepultada.