Na noite em que a autoridade de Marcelo foi contestada por Costa com a recusa de lhe apresentar a demissão de Galamba; no momento em que o país se encontra face a uma evidente crise institucional com encenações de reuniões, óbvias mentiras ao parlamento, chamadas do SIS como se se tratasse de uma guarda pretoriana, o que preocupou os comentadores da RTP pela noite dentro? O perigo do Chega.

Esta obsessão sôfrega por tocar o alarme dos perigos do Chega em tudo o que mexe é doentia e, obviamente, dá notoriedade ao Chega. Os chalupas do anti-Chega são gente que, antes de pedir um bitoque ou uns caracóis, avalia os riscos de o Chega interferir nos seus planos alimentares. Para sinalizar a virtude, afirmam-se contra o Chega a qualquer despropósito. Infelizmente, e qualquer que seja a sua opção gastronómica, têm lugar garantido como comentadores de tv ou colunistas de algum jornal de referência, pelo que temos de levar com eles.

Sem prejuízo de o leitor gostar, apoiar ou se opor às ideias do Chega, importa colocar os pés na terra com alguns factos.

Em primeiro lugar, não há uma só medida de política errada que possa ser atribuída ao Chega. Todos sabemos que o país está aquém das nossas expectativas porque foi tomada esta ou aquela medida que se revelou um desastre ou não se tomou aqueloutra medida que urge tomar. Ora o Chega nunca esteve no governo central e a sua presença autárquica é ínfima. Portanto, se a sua ideia é de que o país está mal governado, a responsabilidade não é, obviamente, do Chega.

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Em segundo, importa recordar que o Chega nasceu e cresceu durante a Governação PS. Em 2015, quando a coligação PSD-CDS vence as eleições, mas é o PS que governa com apoio do Bloco e PCP, o Chega ainda não estava lá. Estaria em 2019 com o seu primeiro deputado e em 2022 com 12 deputados. Aquilo que fez 400.000 pessoas votar no Chega em 2022 foi, calculo eu, acharem que este partido dava voz a problemas que o PS no governo não tinha resolvido. Portanto é aquilo que o PS não fez, ou que fez mal, que abre rumo ao crescimento eleitoral do Chega.

Em terceiro, o país inteiro já percebeu que o PS, parco de argumentos em favor das suas opções estratégicas (quais?) invoca o Chega sempre que pode, procurando criar no eleitor a ideia de que, a menos que o PS vença eleições, o país cairá nas garras tenebrosas do Chega que facilmente controlará um PSD frágil. Entra pelos olhos que este constante alarme é uma tática do PS, à falta de estratégia, de tal modo que até Ricardo Araújo Pereira no seu programa semanal goza com a situação. Não é por acaso, aliás, que são sucessivos os choques de Augusto Santos Silva com o Chega de que o do dia 25 de Abril foi apenas um, certamente o mais pitoresco. É que Augusto Santos Silva não só incorpora a tática do PS como se posiciona como candidato a PR em 2026, estando a construir laboriosamente a imagem do democrata firme, contra os totalitarismos. Faria bem ao PS estudar a história recente de França onde, perante a “mão” que Miterrand deu à Frente Nacional (não só), hoje não existe PS.

Por causa dos anteriores, chegamos ao quarto ponto que é a pressão diária que se faz sobre o PSD para este afirmar claro e bom som que nem sequer respirará o ar de uma sala onde esteja o Chega. Esta obsessão vai do PR até ao cidadão da rua, sendo levada ao colo por toda a comunicação social. Luís Montenegro quer falar do emprego ou da saúde ou das escolas mas não se livra de a primeira pergunta ser sobre o PSD e o Chega. Mas importa questionar: alguém pede ao PS que se demarque do PC, cujo programa aponta inequivocamente para a instauração de um regime totalitário? Bem sei, o argumento é de que o PC já não é verdadeiramente comunista, entretanto converteu-se à democracia ocidental. Porém nunca alguém ouviu um filiado no PC a afirmar isso. Acreditarei quando o secretário-geral do PCP o disser. Um bom início era deixarem de apoiar regimes como Cuba ou China onde partidos congéneres nunca foram a votos, onde há censura e presos políticos. E qual o problema de o PSD se apresentar como governo, mesmo não tendo maioria, com votos no parlamento da IL e do Chega? Por que motivo deve o PSD rejeitar tal apoio? Por último, se o PS está genuinamente preocupado com o risco de o Chega se aproximar da governação via PSD tem bom remédio: anunciar que, após eleição em que o PSD ganhe mas sem maioria, o PS viabilizará tal governo para tornar o apoio do Chega desnecessário.

Estas linhas vermelhas estão também na direita. Quando Montenegro e Rui Rocha se fazem fotografar a almoçar em conjunto, estão a afirmar uma alternativa à governação PS mas, analisando qualquer das muitas sondagens, torna-se claro que se podem sentar às mesas que quiserem mas o almoço só será servido quando tiverem os votos do Chega. O caminho que anunciam, ir para o governo em minoria sem falar com o Chega e obrigar este a escolher entre eles e o PS vai ter a fatura elevada de o governo ser viabilizado, mas depois toda a legislação ser rejeitada, expondo um governo impotente. Uma alternativa viável podia ter por base o histórico acordo “agree to disagree” estabelecido entre os PM’s britânico e francês, respetivamente Thatcher e Miterrand em 1982: PSD, IL e Chega deveriam falar, identificar os pontos em comum e também identificar claramente aquilo em que nunca haverá acordo. Sem esta clareza, o país fica todo a achar que a rejeição do PSD e IL em falar com o Chega terminará às 20:00 horas do dia das eleições.

Qualquer líder político sabe, e para António Costa isto é claríssimo, que em períodos de dificuldade ajuda muito criar uma diversão ou identificar algum bode expiatório para desviar as atenções do eleitorado.

O Portugal de 2023 não é caos algum, mas é um país que tem problemas sérios. Perdemos competitividade no seio da Europa, uma Europa que já perde competitividade face à Ásia. Hoje comparamo-nos em PIB per capita com a Roménia. Um médico é remunerado com dois mil euros/mês: ganharia mais trezentos euros lavando escadas no Luxemburgo com o salário mínimo local. Temos uma carga fiscal tremenda, mas não percebemos onde estão os serviços públicos de qualidade para os quais esta se destina: saúde, educação e justiça, são exemplos flagrantes de serviços públicos onde os mais desfavorecidos estão entregues apenas nas mãos do Estado e, por isso, ainda pior. Depois vemos o dreno de milhões em aventuras como a TAP, companhia onde cada português foi obrigado a investir 320 euros, o mesmo português que fica horas à espera de comboios cancelados por mais uma greve. E mesmo aqueles que nem comboio têm porque as linhas foram arrancadas há muito. E, acima disto, temos problemas constitucionais sérios na separação de poderes, na independência das entidades que o deveriam ser, de que a recente chamada do SIS para recuperar um computador é apenas a ponta de um iceberg que nem se imagina. Neste país, o sonho da classe média é dar uma boa formação aos seus filhos para que eles tenham sucesso, lá fora…

Estas, e não o Chega, são as questões que importam. O Chega é um partido de direita, de direita radical como o qualifica o Professor Riccardo Marchi, mas não tem sinal algum de ser um partido fascista ou que atenta contra a democracia e o Estado de Direito.

Como afirmava há dias João Miguel Tavares, o mal maior é aquilo que estamos a viver hoje. Na mesma linha, deixo claro: este artigo não é um apelo ao voto no Chega; é um grito de mudança. Esta mudança tem de passar por uma liderança do PSD e pode ficar por aqui se o país lhe der maioria para isso. Assim não sendo, e dado que o PS se recusa a viabilizar um governo minoritário do PSD, a alternativa tem de chamar a IL e o Chega ao diálogo.

António Barreto, um socialista, uma referência do país, indiscutivelmente alguém que não apoiará o Chega em circunstância alguma, escrevia há dias no Públicoaos democratas não lhes compete prender, banir ou mandar calar os populistas; compete-lhes fazer melhor e com mais competência do que fazem hoje. E de modo que a população sinta e perceba”.

Os chalupas anti-Chega não estão preocupados com o país: contentam-se em sinalizar a sua virtude. Sempre que aparece mais um, recordo o então Primeiro-Ministro, Almirante Pinheiro de Azevedo, um dos pais da nossa democracia, em 1975, já farto de lhe chamarem fascista exclamou para as câmaras da tv: “bardam@rda para o fascista”.

Sendo mais serenos que o então PM, digamos apenas aos chalupas do anti-Chega: já que têm tanto medo do mundo, usem máscara e confinem-se. O país não irá parar por causa deles.

Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.