Um primeiro-ministro que só lidera em tempo de boas notícias. A campanha de 2019 está a confirmar aquilo que já se tinha visto em 2015: António Costa em campanha tem um fraco desempenho. Todos aqueles aspectos que no dia a dia são omitidos sobre a sua prestação – como a sua arrogância e falta de discurso – ressaltam nos debates. António Costa fez uma longa carreira política no simpático estatuto de segunda figura “que talvez um dia venha ser líder”. Na CML, as alianças à esquerda e a presença enquanto comentador na SIC garantiram-lhe a paz e acrescentaram-lhe o perfil de  “líder que havia de ser”.

Mas fora do ambiente protegido da militância e do jornalismo amigável, António Costa dá-se mal. Se em cima disso tem de enfrentar imprevistos parece paralisar. Foi assim em 2017, aquando dos incêndios, e está a ser assim com o caso Tancos. Terminada esta campanha António Costa vai abrir a agenda para acertar na data em que conseguirá ter um bom pretexto para deixar de ser primeiro-ministro.

A coisa. Foi assim no processo Casa Pia-cabala. Foi assim no FreePort-urdidura. Foi assim no Face Oculta-perseguição. Foi assim no Monte Branco-mentira. Foi assim com a licenciatura domingueira de José Sócrates-ataque vil. É agora assim com o caso Tancos-conspiração: o PS nunca tem responsabilidades e os seus líderes ainda menos. Os factos não contam. Tudo o que compromete o PS é o resultado de uma conspiração. Isto num pequeno partido é uma detalhe anedótico. No principal partido do país assusta. Chamemos-lhe “a coisa”.

Tempos em que todos desconfiam de todos. Marcelo afiança que o Presidente da República não é um criminoso e considera que o PS o procura envolver no caso de Tancos para desviar as atenções. António Costa e o PS voltam às teorias da conspiração… Em breves horas, uma espécie de vendaval estraçalhou a ilusão de óptica erigida em realidade: nem sombra do optimista crónico, do optimista irritante, do optimista militante ou do optimista realista, variantes da nossa política com que ainda há pouco tempo se enchiam páginas de jornal. O descrispador e o político dos afectos, esses outros desdobramentos das personalidades do presidente da República e do primeiro-ministro, também se sumiram. Depois de 6 de Outubro, Costa e Marcelo vão ter de criar novas personagens. Como se vão chamar? Qualquer sinónimo de desconfiança serve.

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Com que percentagem de votos Rui Rio vai ser considerado derrotado? É preciso ter em conta que um derrotado à partida se transforma facilmente num vencedor: basta-lhe perder por menos que o anunciado. É isso que muito provavelmente vai acontecer a 6 de Outubro.

Regionalizar sem perguntar. Durante meses não se tomou muito a sério a posição ambígua de Rui Rio sobre a regionalização. Era mais ou menos certo que após as eleições de Outubro o PSD entraria num daqueles processos convulsivos de que resultam as novas lideranças laranjas. Mas como por mérito próprio, falta de jeito de António Costa para as campanhas eleitorais e fracas expectativas em relação ao seu desempenho, Rui Rio pode vir a ter um “bom” resultado eleitoral, a regionalização volta a estar na mesa. Nos debates com António Costa ficou claro que Rio vai apoiar o primeiro passo da regionalização na secretaria: a eleição pelos autarcas dos presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional. O resto virá por acréscimo pois a única exigência que Rio faz nesta matéria é que não se aumente a despesa. Portanto, volto a perguntar: com que percentagem de votos Rui Rio é considerado derrotado? (A tese de que “Costa rejeita confronto com Marcelo em matéria de regionalização” surgida em Junho deste ano quer tão só dizer que até 6 de Outubro o líder do PS não queria que se falasse de regionalização. Daí em diante, tudo depende da correlação de forças.)

Os assuntos possíveis. O PAN quer Tancos fora da campanha. Já Catarina Martins interrompeu a greve pelo clima para criticar as “especulações” sobre este caso. O de Tancos, claro, que no que ao clima respeita a especulação é livre.  Uma espécie de livro de protocolo não escrito mas subjacente às campanhas eleitorais em Portugal estabelece que nestas apenas podem ser tratados os assuntos que os partidos, sobretudo os de esquerda, definem como assuntos de campanha. O resto são casos de aproveitamento político, classificação per si paradoxal porque sendo uma campanha eleitoral um momento de aproveitamento político por excelência, todos os assuntos são de aproveitamento político. O que obviamente distingue uns aproveitamentos políticos dos outros é apenas a quem eles aproveitam. O resto é conversa para entreter.

Os tempos que aí vêm serão tempos perigosos porque não haverá propriamente vencedores mas sim contabilistas das derrotas alheias.

PS. Tendo em conta os cenários apocalípticos desenhados pela ONU para Portugal, o projecto da Cidade da Água em Almada, nos antigos terrenos da Lisnave, já foi abandonado?