Nas últimas décadas, habituámo-nos a níveis de inflação de tal forma baixos que até nos esquecemos daquilo que a origina, e das suas consequências e impactos. A inflação resulta do aumento geral dos preços dos bens e serviços. Significa isso que com o nosso ordenado, pensão ou património conseguimos comprar menos bens e serviços, com o mesmo esforço nominal.

A inflação é calculada por referência a um cabaz de produtos e serviços, em função da sua importância. A eletricidade ou os combustíveis, ou os bens alimentares de consumo essencial, por exemplo, têm um peso maior do que outros, de menor consumo ou relevância. A inflação é assim calculada com base na comparação da evolução de preços para um determinado cabaz de compras, ao longo de um determinado período temporal.

Sem prejuízo da forma como a inflação é calculada, o que é relevante pensar é como a inflação funciona assimetricamente para distintas classes da população, ou até para o Estado ou certas empresas, pois, como sabemos, o prejuízo de uns, com frequência, pode ser o benefício ou o ganho de outros.

A inflação tem origem em distorções ao nível dos custos de produção (devido a, v.g., um aumento abrupto do preço da energia), aumentos na procura (resultantes, v.g, da expansão do crédito), e/ou quebras abruptas ao nível da oferta (causadas, v.g., por dificuldades de acesso a matérias-primas, ou por questões de ordem logística). Ora, a inflação galopante que estamos a viver, pese embora não seja integralmente clara a sua origem, deverá resultar da conjugação de toda esta série de fatores que se combinaram para dar lugar a uma alta de preços que teima em não estabilizar.

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Há, desde logo, razões imediatas. A forma como o mundo optou por reagir à pandemia do Covid-19, desacelerando a integração global e optando por um fechamento artificial do espaço económico, está a provocar ondas de choque e entropias nos sistemas produtivos e logísticos, agora que pretendemos que o mundo volte à normalidade. Acrescem as dificuldades que resultam do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, com impactos significativos no fornecimento energético, cereais e fertilizantes, que explicam parcialmente a escalada de preços.

E se há, seguramente, nas razões imediatas acima descritas, uma contribuição importante para o atual estado de coisas, não é possível ignorar que, num plano mais mediato, nos últimos anos, a política monetária da União Europeia, de permanente injeção monetária por via do programa de recompras e fixação artificial de taxas de juro anormalmente baixas criou as condições para a tempestade perfeita que está a arrasar as nossas economias.

Para poder controlar a inflação em curso, será necessário intervir nas diversas dimensões que estão a causá-la. Desde logo, é fundamental ultrapassar as dificuldades causadas pelo conflito entre a Rússia e a Ucrânia, ao nível do fornecimento de energia, cereais e fertilizantes. O aumento das taxas de juro é inevitável, porquanto não é viável praticar taxas de juro, em alguns casos, sete a oito pontos percentuais abaixo da desvalorização do dinheiro. A correção das taxas de juro obriga a uma retração do endividamento das empresas, e a uma sobriedade acrescida da parte do Estado, que necessariamente vai ter de reduzir a sua despesa suportada em dívida. É ainda fundamental que os governos, em particular o português, utilizem o excedente fiscal patrocinado pela inflação para amortizar dívida e corrigir o efeito negativo nos rendimentos dos cidadãos, sobretudo dos que estão numa posição mais vulnerável, com apoios bem direcionados.

A inflação deixa sempre uma marca indelével e irremediável de empobrecimento. Ao contrário do que é a convicção de alguns, não vai ser possível repor na integralidade, nem rendimentos do trabalho, nem pensões. Muitas empresas tampouco vão conseguir repercutir nos seus preços o efeito da inflação. Muitos patrimónios vão ter uma desvalorização real, ainda que possa haver alguma correção nominal. Será, por isso, necessário que os governos tenham a capacidade de distribuir com sentido de justiça e equidade os prejuízos de um processo que em boa medida causaram.

Porque se há, como se disse acima, algumas razões menos previsíveis que motivam a inflação, a grande responsabilidade pela situação atual é resultado de políticas públicas que lentamente foram criando a bola de neve que agora rebentou: o uso recorrente de dívida pública, défices e crédito para suportar despesa corrente e consumo; o recurso constante a taxas de juro artificialmente baixas; a criação de dependências, em setores críticos como energia ou bens alimentícios, do arbítrio de Estados cleptocráticos, teocráticos ou proto totalitários; todas estas opções, muitas vezes (aparentemente) favoráveis no curto prazo, acumularam, no tempo, um custo elevadíssimo, que nos está agora a ser cobrado numa fase em que o seu pagamento nos parece tudo menos oportuno. O futuro e a qualidade das democracias europeias e da própria União Europeia vão ser postos à prova nos próximos anos. Esperemos que haja lucidez para tomar, por esta vez, as decisões mais acertadas, ainda que no curto prazo possam parecer muito exigentes.