Domingo, hora do almoço, pavilhão do Casal Vistoso em Lisboa. No palco, quase eufórica, Catarina Martins proclamava: “Estamos só a começar”. Na plateia batiam-se palmas e agitavam-se bandeira – na mesma plateia que minutos antes aplaudira com entusiasmo o delegado do Podemos e apupara o representante do Syriza. No horizonte anunciava-se uma “cimeira das alternativas” – em Portugal, em Espanha ou na Catalunha.
Domingo, hora de jantar, Madrid. A euforia de Catarina é arrefecida por um imenso balde de água fria. O seu Podemos, agora em coligação com os comunistas espanhóis, perde votos e deputados. O sonho da esquerda radical de ultrapassar a esquerda moderada do PSOE não se materializa, mesmo com os socialistas espanhóis a perderem também eles votos e deputados. O “estamos só a começar” pode tornar-se afinal um “já estamos a acabar” muito mais depressa do que se imagina.
Na realidade as eleições espanholas não deixaram tudo na mesma. É certo que delas não resultou qualquer maioria de governo, mas ocorreu nelas uma inversão de rumo: a ascensão dos populismos radicais não é uma inevitabilidade; afinal os velhos partidos democráticos e moderados são capazes de resistir à investida dos extremistas e aos cantos de sereia dos especialistas em protagonismo mediático (com muita cumplicidade dos jornalistas à mistura).
Há seis meses nenhum partido, nem sequer o vencedor das eleições, podia reivindicar o direito de governar, tão longe estavam todos de poder formar qualquer coligação. Agora o PP de Mariano Rajoy pode fazê-lo e já o fez, pois subiu de votos (mais 573 mil), subiu na percentagem dos votos expressos (mais 4,3 pontos percentuais) e subiu no número de deputados (mais 14). Cabe-lhe dialogar, mas terá de esperar que os outros partidos mostrem sensatez e humildade, pois todos perderam nas eleições de domingo.
Esta vitória do PP, com uma dimensão que nenhuma sondagem previu, parece ser também um sinal de que os eleitores começam a perceber que o seu voto não é apenas uma arma de protesto, antes pode ter pesadas consequências. Pode ser que o referendo do Brexit tenha contribuído para essa tomada de consciência. Pode ser que as loucuras a que se têm vindo a entregar as gestões municipais dos aliados do Podemos em Madrid e Barcelona tenham ajudado os eleitores a perceber o custo da irresponsabilidade e a diferença entre os discursos utópicos e as exigências da governação, mesmo quando esta é só a nível local (os resultado em Madrid do Podemos foram especialmente maus). Pode ser que tenham simplesmente percebido que não podiam deixar o seu futuro nas mãos de um grupo de lunáticos arrogantes, como seria o caso se o Podemos ficasse com a chave do poder nas mãos.
A derrota do grupo de Pablo Iglesias tem especial significado pois não só permite ao PSOE conservar o seu lugar de segundo partido espanhol (mesmo tendo tido o pior resultado de sempre, mesmo tendo perdido para o PP na Andaluzia), como mostra os limites de um discurso de protesto sem adesão à realidade. Se algo resultou claro da campanha eleitoral espanhola é que o Podemos não tinha uma proposta realista para governar Espanha. Os seus números não batiam certo e não deram nenhuma indicação de como poderiam pagar as suas promessas. Nem sequer tinham um arremedo de programa económico como aquele que o Syriza tinha preparado na Grécia (e que depois deu no que deu).
O fracasso da estratégia radical é o melhor indicador de que a Espanha saída destas eleições não é a mesma Espanha de Dezembro passado. Nessa altura o tempo parecia correr a favor dos extremismos; agora o vento mudou de direcção. Isso deve tornar mais fácil formar um acordo que torne possível governar, e possível que governem os que ganharam as eleições.
Por muitos “calculadores de coligações” que possamos fazer, só existem duas verdadeiras alternativas. A primeira é a formação de uma coligação do PP com Ciudadanos, com a eventual participação de mais alguns partido nacionalista, coligação essa que possa ser viabilizada pela abstenção dos socialistas. Parece ser a solução preferida pelo El Pais que, no seu editorial, escreve que do PSOE deve “escutar o mandato dos eleitores para que permaneça na oposição e permita com a sua abstenção que governe quem tenha os votos necessários para o fazer”. A segunda é uma grande coligação incluindo o PP, o Ciudadanos e o PSOE, uma solução que, escreve-se no editorial do El Español, teria a vantagem de permitir promover “uma agenda de reforma política ambiciosa que incluiria mudanças na Constituição”. Isto porque são “os três partidos que podem garantir regeneração e unidade”.
O grande receio de que soluções deste tipo abrissem caminho ao crescimento dos extremismos, um receio absolutamente legítimo em Dezembro, quando o Podemos parecia imparável, perde razão de ser com os resultados de Junho. A maré, para já, foi contida, mas isso não permite novas irresponsabilidades aos partidos moderados. É que se podem contar com uma economia espanhola que continua a dar sinais de vitalidade, não se podem esquecer que foram e continuam a ser minados por escândalos de corrupção. É por isso que faz tanto sentido falar em regeneração.
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