Terá sido William Stanley Jevons, um economista inglês, o primeiro a responder, muito antes do aparecimento dos sintomas, à questão da depleção do carvão no Reino Unido. Em The Coal Question (1865), ele esboça a história futura do carvão britânico, estimando correctamente que a produção não poderia continuar muito para além de mais um século.

No caso do petróleo, a evolução e consequente declínio foram estudados por Marion King Hubbert, um geofísico americano que trabalhou para a Shell e que em 1956 publicou Nuclear Energy and the Fossil Fuels, onde desenvolve uma hipótese quantitativa para o ciclo de produção dos recursos minerais: a curva em forma de sino (gaussiana). Uma curva simétrica onde o crescimento é seguido de um pico e finalmente por um declínio. O seu estudo descreveu correctamente o ciclo de exploração do petróleo nos EUA durante meio século, até que o advento turbulento do petróleo de xisto gerou um novo ciclo.

A curva de Hubbert é simétrica, contudo se pensarmos em termos da energia necessária para produzir um barril de crude (que aumenta à medida que o recurso diminui), há razões para pensar que, em certos casos, a curva possa ser assimétrica, com a descida bastante mais rápida que a subida.

As ideias de Hubbert foram, em geral, convenientemente esquecidas no período de optimismo que se seguiu aos choques petrolíferos dos anos 70, e redescobertas nos finais dos 90 pelo geólogo britânico Colin Campbell, naquilo que ficou conhecido pelo nome de “Peak Oil”. Este movimento teve considerável repercussão internacional, mas também ele acabou por cair no esquecimento. Tais lembranças e esquecimentos explicarão talvez o porquê de, década após década, se ouvir repetidamente a frase “o petróleo dura para mais 60 anos ao nível de produção actual”. E toda a gente fica tranquilizada, porque já ouviu o mesmo há 10, 20 e 30 anos atrás.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

De uma forma mais abrangente, o problema da evolução global a longo prazo foi motivo de estudo quantitativo no início dos anos 70. Na sequência da criação do Clube de Roma, um grupo do MIT liderado por Dennis Meadows publica The Limits to Growth (1972). Neste é desenvolvido um modelo, baseado no trabalho de Jay Wright Forrester (o fundador do método de “System Dynamics”), que permite observar a evolução temporal (de 1900 a 2100) da inter-relação de 5 factores que determinam e limitam o crescimento no planeta: população, produção agrícola, produção industrial, consumo de recursos naturais não renováveis, e poluição.

Seguiram-se-lhe duas actualizações. A primeira, Beyond the Limits (1992), e finalmente Limits to Growth: The 30-Year Update (2004).

Com o modelo, que ficou conhecido como World3, consideraram vários cenários, dos quais aqui destacamos cinco: os cenários 1, 2, 6, 9 e 10 (na edição de 2004).

Cenário 1 (crise dos recursos não renováveis) – Representa o caso em que o mundo continua a trajectória seguida durante a maior parte do século 20. O resultado é o crescimento exponencial da comida disponível, da produção industrial e da população, até um ponto em que a rápida diminuição dos recursos força ao declínio da produção industrial (com um declínio simultâneo da produção agrícola). A população e a poluição continuam a crescer para lá do pico da industrialização, até que finalmente a falta de comida e de serviços induz a queda da população.

Cenário 2 (crise de poluição) – Que acontece se as reservas de recursos forem superiores às inicialmente estimadas? Este cenário difere do anterior apenas pela quantidade inicial dos recursos, que é duplicada. Isto não evita o colapso, induzido agora, principalmente, pelo intenso aumento da poluição. Os altos níveis da produção industrial são acompanhados de valores elevados de poluição, que por sua vez têm efeitos na fertilidade e erosão dos solos, conduzindo a um declínio da produção alimentar e consequente declínio da população.

Cenário 1

Cenário 2

De notar que tanto a produção alimentar, como a industrial, especialmente no caso do cenário 2, declinam mais rapidamente do que cresceram (assimetria das curvas). Aquilo a que o químico italiano Ugo Bardi chama o efeito Séneca (“o caminho para a ruína é rápido” escreveu Séneca ao amigo Lucílio) The Seneca Effect (2017).

Embora os autores não queiram precisar o instante em que se dá o pico da produção industrial e alimentar, e seu posterior colapso, tanto a versão de 1972 como a versão corrigida de 2004 do cenário 1 indicam que o colapso global ocorrerá entre 2015 e 2025.

A acreditar nestes cenários, independentemente da data exacta do pico, restam duas vias para evitar o colapso. Ou se age sobre os feedback negativos: depleção dos recursos naturais, aumento da poluição, fome; ou sobre os feedback positivos: crescimento exponencial da população e do capital físico (bens e serviços).

Cenário 6 (crise de custos) – A primeira é uma via tecnológica, a que governa as políticas e sensibilidades actuais: combate à poluição, aumento da produtividade agrícola, protecção da erosão dos solos, eficiência energética e reciclagem. É a solução dos que acreditam no crescimento perpétuo. O modelo considera uma taxa anual de aperfeiçoamento da solução tecnológica e um diferimento temporal entre a descoberta no laboratório e a sua efectiva implementação prática.

Vejamos o que acontece partindo do cenário 2 e introduzindo uma a uma estas medidas. Reduzir a poluição em todas as fontes, mantendo a anterior duplicação energética, leva também ao colapso, despoletado agora pela escassez de comida. Se a isto juntarmos medidas para aumentar a produtividade agrícola, o colapso vem devido à erosão dos solos. A tentativa de combater este último fenómeno, recorrendo a melhores técnicas agrícolas, colapsa igualmente, agora por causa de uma combinação quase simultânea de crises dos recursos, dos alimentos e de elevados custos. Por fim (cenário 6), adicionando um programa de eficiência na utilização dos recursos não renováveis permite manter um nível de vida aceitável até mais tarde, mas a oferta de bens e de serviços per capita (não presente na figura) começa a cair com o declínio da produção industrial e o sistema colapsa, essencialmente devido a uma crise de custos.

Das simulações com medidas puramente tecnológicas não se obtém, pois, nenhuma solução de equilíbrio do sistema.

Cenário 6

A segunda via ataca as causas estruturais do crescimento exponencial, procurando estabilizar o crescimento da população e do capital físico. Quanto à população, disponibilizam-se métodos de controlo da natalidade e limita-se a dois o número (médio) de filhos por família. Para o capital físico é estabelecido um nível de produção industrial per capita cerca de 10 % superior ao do ano 2000, agindo simultaneamente sobre a taxa de investimento e a taxa de depreciação do capital. As simulações foram feitas partindo do cenário 2 e introduzindo, sucessivamente, estes dois tipos de medidas estruturais. Mas, tal como no caso das medidas exclusivamente tecnológicas, agir apenas sobre o crescimento da população e da produção industrial não leva à estabilização do sistema.

Cenário 9 (estabilidade) – Só combinando as medidas estruturais com as medidas tecnológicas, foi possível obter, finalmente, resultados que representam um sistema próximo do equilíbrio e com valores razoavelmente altos de produção industrial e alimentar.

Cenário 9

Cenário 10

Cenário 10 (o tempo é crucial) – Neste cenário são tomadas as mesmas medidas do cenário 9, mas introduzidas 20 anos mais cedo (em 1982, em vez de em 2002). O resultado é que, devido à estabilização da população num nível mais baixo, se obtêm valores, per capita, de comida, de serviços e de bens de consumo mais elevados que no cenário 9.

Foram feitos estudos que comparam as previsões do modelo World3 com dados reais, entretanto obtidos. Um primeiro: A comparison of The Limits to Growth with 30 years of reality (G.M. Turner, 2008) usando os resultados de 1972 e, mais recentemente: A comparison of The Limits to Growth with 30 years of reality (G. Branderhorst, 2020), comparando com as simulações de 2004.

No primeiro estudo o cenário que mais se ajustou aos dados foi o cenário 1, seguido do 6 (o cenário 2 não foi considerado). No segundo, os cenários 2 e 6 foram os que melhor ajustaram, seguidos pelo 1, sendo o cenário 9 o mais distante. De uma forma muito geral, o que estes estudos sugerem é um mundo seguindo uma trajectória que é essencialmente a que fez durante o século 20, mitigada por intervenções tecnológicas, mas sem atacar as causas estruturais do crescimento exponencial.

Podemos objectar que ainda não presenciámos nenhum “pico”, nem do petróleo, nem da produção industrial, e que o limite ao crescimento, a existir, tome a forma de uma aterragem suave e não de um colapso. Contudo, se virmos chegar esse pico, quer dizer que o tempo de agir já passou.

Num sistema dinâmico muitas variáveis têm uma acção diferida sobre outras. E este lapso temporal, entre a introdução de uma alteração num dos parâmetros e as consequências noutros, tem efeitos tão mais sérios quanto mais rápidas são as alterações a que o sistema está sujeito. Acresce o facto de que, por causa deste lapso temporal, podemos ultrapassar aquilo a que os demógrafos chamam a “capacidade de carga” (i.e. a máxima população de uma espécie que pode ser sustentada pelo ecossistema onde vive) antes que disso demos conta. Quando tal acontece dá-se um colapso “natural” e, muitas vezes, o problema é agravado porque o tempo que se esteve acima dela reduz a própria capacidade de carga do sistema. Resta saber se ainda vamos a tempo.

Acredito que, mais cedo ou mais tarde, as variáveis fundamentais que os economistas consideram: emprego, capital, moeda, taxa de juro, consumo, investimento… deixarão de ter poder de controlo sobre o estado das coisas. O problema é mais amplo e tem a ver com o crescimento da população e da produção industrial.

O crescimento, como salvação para os grandes males da economia, não pode continuar indefinidamente. Ao invés, há que colocar-lhe um limite, para evitar o colapso e garantir níveis de produção alimentar e industrial razoáveis, diminuindo o uso dos recursos não renováveis e mantendo um baixo valor de poluição.

Estamos a pontos de ver se o estimado colapso entre 2015 e 2025 não estará a acontecer. Mas, muito provavelmente, se não for agora, será mais tarde. Não me parece que as energias renováveis, em uso, e as promessas do hidrogénio verde e da fusão nuclear venham a tempo. Até porque, a acreditar nos resultados do modelo, soluções tecnológicas, unicamente, não evitarão o colapso. Poderão adiá-lo, mas talvez não por muito.

(Uma implementação do modelo World3 pode ser obtida aqui)