Ia o Verão a meio entre incêndios, convites e desconvites para assessorias governamentais mais um presidente da República em implosão de credibilidade, quando chegou a notícia sobre o registo obrigatório das galinhas poedeiras. Logo jornais, rádios e televisões tiveram o seu momento Borda d’Água e avisaram: “Registo de galinhas poedeiras obrigatório em setembro.”

A visão urbana que impera nas redacções supõe que a agricultura e a pecuária estão isentas de burocracia. A isto, que não é pouco, acresce que é público e notório que o estado português não sabe quantos funcionários tem e muito menos quantos imóveis são propriedade pública, portanto este rigor aplicado às galinhas poedeiras apresentava-se pelo menos como esdrúxulo.

Na verdade nada é mais falso: a agricultura e a pecuária tornaram-se terreno fértil para a cobrança de taxas e taxinhas e são objecto de uma burocracia inflexível. Assim, e antes de partirmos para a extraordinária vida burocrática das galinhas poedeiras, convém esclarecer que estas aves são contabilizadas não uma mas sim duas vezes por ano. Sim, duas vezes por ano, certamente mais vezes que as armas nos paióis de Tancos! Mais precisamente em Fevereiro e Setembro, as galinhas poedeiras (não as armas em Tancos) são contadas pelos respectivos proprietários que em seguida preenchem uns tais formulários que muitos deles devem acabar a pensar se não será melhor passar as ditas galinhas a cabidela.

Mas não acaba aqui o interesse administrativo pelas galinhas poedeiras. Por exemplo, o legislador mgnanimamente isenta alguns proprietários de galinhas poedeiras de fazerem este registo. Não respirem já fundo os leitores, que existem outros registos à espera das galinhas, sejam elas poedeiras ou não! Mas vamos lá à isenção da apresentação duas vezes por ano da Declaração de Existências de Galinhas Poedeiras. Quem está isento? “Os estabelecimentos de galinhas poedeiras com menos de 350 aves

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Como atrás referi não se pense que lá por modestamente não ir além das 349 galinhas um cidadão se vê livre da burocracia. Só fica livre da Declaração de Existências de Galinhas Poedeiras. Tem obviamente de fazer o registo como actividade pecuária que também ele varia consoante o número de galinhas em questão até que de registo em registo se acaba a fazer a pergunta: será que se podem ter algumas galinhas sem ter de as registar? Depende. Ou, melhor dizendo, existe um registo para estas pessoas que por assim dizer não têm de fazer registo.

Este registo das pessoas que não são obrigadas a fazer registo chama-se “Registo de Detenção Caseira de animais de espécies não cinegéticas para lazer ou abastecimento/auto consumo do seu detentor“. Como não podia deixar de ser tem um custo (4,29€) e um formulário. Esclareça-se que é considerada detenção caseira a posse de 2 bovinos; 6 ovinos ou caprinos; 2 equídeos; 4 suínos; 100 aves; 80 coelhos. Mas não se pode ter isto tudo ao mesmo tempo. Os dilemas são como os do Monopólio: por exemplo, se tiver duas vacas (o Rossio do velho Monopólio) com mais de 600kg esgota quase a quota para detenção caseira. Será melhor ir para as seis cabras mais um porco? Com jeito ainda dá para acrescentar umas galinhas ou de preferência uns frangos que burocraticamente contam menos (nestas coisas da capoeira há matéria para debater o género à exaustão!)

Este caso das galinhas poedeiras vem lembrar-nos que no meio de uma administração que se desmembra, de serviços públicos que ora fecham ora avisam que estão em escusa de responsabilidade e de um Governo incapaz de trabalhar com um horizonte mais lato que os noticiários do dia, algo continua a ser cumprido com rigor. O que é essa excepção? A burocracia que penetra em todos os aspectos da nossa vida. A burocracia que chega sempre para controlar as grandes empresas, os lucros milionários, extraordinários e caídos do céu e que acaba a invariavelmente a complicar ainda mais a vida aos que pouco têm. Por exemplo, a vida daqueles que no incensado país rural se confrontam com as urgências hospitalares e as esquadras fechadas mas não se podem esquecer de preencher duas vezes por ano a Declaração de Existências de Galinhas Poedeiras.