A Covid teve como uma das suas múltiplas consequências, a diminuição da procura de cuidados de saúde por parte de muitos doentes. Motivo? Não se sentirem seguros em recorrer às instituições de saúde.
A segurança da prestação de cuidados de saúde é pois, hoje mais do que nunca, um tema incontornável nas sociedades modernas. Os cuidados de saúde são mais avançados, têm mais intervenção, caminham mais perto dos limites. Somos mais desafiantes do destino.
Este é um tema que tem um impacto muito superior ao que muitos imaginam. Segundo a Organização Mundial de Saúde ocorrem, por ano, cerca de 134 milhões de efeitos adversos, responsáveis por 2,6 milhões de mortes. Os custos por erros de medicação atingem os 42 biliões de dólares. E quatro em cada 10 doentes sofrem de efeitos adversos em cuidados ambulatórios. No que se refere a cada 100 internamentos, 7% a 10% de infecções surgem associadas a cuidados de saúde. E mais relevante, é o facto de 50% dos efeitos adversos que ocorrem poderem ser evitados. Este é, pois, um tema de há muito e cujo impacto nos doentes e na sociedade é por demais significativo.
A questão da segurança do doente (patient safety) tem vindo a ser abordada sistematicamente em todo o mundo, aos mais variados níveis. Em 1994, com a publicação de “To Err is Human” o tema ganhou uma nova dimensão. Da OMS à DGS, várias têm sido as propostas e as estratégias definidas. Muitas delas sem qualquer custo associado, mas implicando mudanças culturais e de atitude. Se pensarmos no que hoje se propõe para o combate à Covid, facilmente constatamos quão verdadeira é esta afirmação. Maior distanciamento entre camas, lavagem frequente de mãos, uso de máscara sempre que sintomático, uso de equipamento individual em ambiente de unidade de saúde, etc. Estas são medidas há muitos anos defendidas no âmbito do combate à infecção. Segundo dados do Centre for Disease Control (CDC), o simples ato de lavar as mãos pode reduzir em 30% os casos de diarreia e em 20% os de infecções respiratórias.
O combate pela segurança dos doentes é um dos maiores desafios da medicina moderna. Continuar a evitá-lo é tão mau como não dar medicamentos a quem precisa ou não vacinar quem deve ser vacinado. Investir na segurança do doente é claramente investir em ganhos em saúde e numa sociedade mais saudável. E investir em segurança do doente não se resolve por comprar um qualquer equipamento ou desenvolver uma qualquer APP.
Apostar numa nova organização hospitalar e melhorar circuitos de circulação, melhorar a comunicação entre profissionais e estimular os programas de educação para a saúde, estimular o desenvolvimento de uma cultura de segurança e de diminuição do risco, evitar a prática de turnos demasiado longos, dinamizar políticas de altas precoces e de privilégio de cuidados domiciliários, apostar na liderança clínica de equipas de saúde. Muitos são os caminhos. Na sua maioria, já desenhados e testados. Infelizmente, poucos ainda postos em prática.
Investir em segurança do doente passa por uma nova atitude e por uma nova cultura. Por ganhar capacidade crítica para algumas atitudes e posturas, cujo saber científico contraria e desaconselha. Esta não é uma simples opção dos profissionais de saúde, mas um caminho da sociedade em geral e de todos em particular. Um desafio a doentes e a profissionais de saúde. A empresas e a instituições de saúde.
A Organização Mundial de Saúde decidiu comemorar anualmente, a 17 de Setembro, o Dia Mundial da Segurança do Doente. Em 2020 destacou a segurança dos profissionais de saúde. O lema de 2020 é “Safe health workers, safe patients”. E esta é uma recomendação que recebe todo o apoio da Ordem dos Médicos. A segurança dos profissionais de saúde é, claramente, um desiderato que tem de ser garantido sem reservas. Defendemos a segurança na prestação de cuidados de saúde como condição para uma Melhor Saúde. Estamos disponíveis para continuar este desafio. Estamos disponíveis para sermos agentes da mudança para uma cultura de segurança na prestação de cuidados de saúde.
Desafiamos todos os prestadores de saúde, todas as organizações, do SNS, do sector privado e social a aumentarem o seu investimento na segurança nos cuidados de saúde.
Nós, médicos, assim o faremos, porque queremos continuar a cumprir aquilo que é nosso principal objectivo, tal como escrito no Juramente de Hipócrates desde há milhares de anos: “Prometo solenemente consagrar a minha vida ao serviço da Humanidade”.