Hoje estamos consumidos por uma pandemia nunca antes pensada.

Mesmo que, por hipótese, fosse antevisto este cenário e as implicações, já diz o provérbio, Magis experiendo quam discendo cognoscitur (mais se sabe através da experiência do que por aprender). A experiência deste tempo ultrapassa a perceção ou a ideia. Nós vivemos a pandemia! Não fizemos uma experiência ininterrupta, tirando sábados, domingos e feriados… muito pelo contrário. O impacto da pandemia é visto em nós. Nós somos a pandemia e precisamos de ter atenção para os efeitos a todos os níveis. O tempo que vivemos é anormal, pouco ou nada serve para nos convencermos do contrário, mas em nada nos tira a esperança.

A pandemia parece que conquistou o tempo uma vez que não vemos o seu fim definitivo, e conquistou também o espaço: fomos postos em casa e limitados a fronteiras territoriais. Teve outros impactos: saturou os meios de comunicação social, redefiniu prioridades estratégicas políticas e económicas, reestruturou a gestão pessoal das famílias, abriu um novo estilo de vida e acima de tudo causou entropia e surpresa, inquietação e medo, e, indubitavelmente, incerteza alimentada por um sonho que é o fim de tudo isto, restituindo a normalidade que ontem era a vida de cada um e que hoje é um ideal.

Em todo o mundo, segundo os dados da Organização Mundial de Saúde, estamos nos quase 190 milhões de casos confirmados, mais de 4 milhões de mortes e foram administradas bem mais que três mil milhões de inoculações contra a Covid-19.

Nas medidas de combate foram definidos planos, métricas, indicadores, políticas de gestão e monitorização de dados, de pessoas, de recursos e tantos planos e mais planos. No meio deste cenário de guerra surgem rostos que serão contados pela história. Contudo, há vários nomes para lembrar e agradecer, pois parece que foram esquecidos.

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É evidente que, em caso de infeção, cada organismo reage de forma particular. Contudo, há sintomas comuns evidentes. Nesta sequência, quando nos perguntam “tem febre?” e respondemos hoje com naturalidade, devemos responder de forma clara a várias pessoas que contribuíram com o seu trabalho. Este é um dos muitos exemplos daquilo que hoje é dado como adquirido, mas que outrora foi uma conquista.

Hoje, se podemos responder com alguma fiabilidade à nossa temperatura, temos de agradecer ao Professor Anders Celsius (1701-1744), astrónomo sueco a quem é associada a invenção da escala com o seu nome.

Esta investigação decorreu no âmbito da expedição de Moreau de Maupertuis (1736), cientista que conheceu em Paris e adepto newtoniano, que defendeu que o nosso planeta é alargado no Equador e achatado nos polos, ao contrário da visão cartesiana da comunidade científica da época. Entre diversos estudos que realizou no decorrer e após esta expedição, Celsius desenvolveu a escala que hoje conhecemos (Nordmann, 1966; Stempels, 2011).

Muito obrigado, Anders Celsius!

Ainda assim, se hoje tiver 70º C estou assado. Este valor correspondia a 40º C, pois a escala estava construída de modo que o ponto de ebulição da água correspondesse aos 0º C enquanto o ponto de fusão se dava aos 100º. Mais tarde, um dos fundadores da Academia Real das Ciências, Carl Linnaeus (1707-1778) inverte a ordem da escala, de modo que os 0º correspondam ao ponto de fusão e os 100º ao ponto de fusão da água (Fries, 2011; Liden, 2007).

Muito obrigado, Carl Linnaeus!

Para todos estes trabalhos foi necessário um termómetro, tal como hoje é preciso para medir a temperatura. Hipócrates (400 a.C.) evidenciou que a mão humana sobre a testa pode ser uma forma artesanal, a única da época, para julgar a temperatura. Contudo, só entre os séculos XVI e XVII é que foram desenvolvidos os instrumentos que permitem a medição e a que hoje chamamos termómetros. Originalmente, a mecânica consistia na deteção de propriedades físicas de um determinado objeto. Remontemos ao período helenístico, à Alexandria, e agradeçamos ao Filão de Bizâncio (200 a.C.) que relacionou a expansão e contração do ar com as mudanças de temperatura e à qual o mecanismo do termómetro se assemelha. Dentro dos inventores podemos agradecer também a Galileu Galilei que desenvolveu um termoscópio. Mais tarde, Robert Fludd projeta uma escala que pode ser considerada um termómetro e Santorio Santorii de Pádua, fisiologista italiano, calibrou o instrumento. Mas podemos lembrar muitos outros: o Grão-duque da Toscana, Christian Huygens, Ole Romer, Carlo Renaldini, Gabriel Fahrenheit, Joseph-Nicolas Delisle e outros (Pearce, 2002; Wright e Mackowiak, 2016; Grodzinsky E, 2020).

Muito obrigado a todos!

Mas além da instrumentação, se hoje medimos sinais vitais com um termómetro e em graus Celsius, então agradecemos ainda a Carl August Wunderlich, que definiu a medição da temperatura média de um corpo dito saudável (Mackowiak e Worden, 1994).

Muito obrigado, Carl Wunderlich!

Em março de 2020, lia-se no New York Times que The surgical face mask has become a symbol of our times. Hoje, antes de sair de casa, a máscara faz parte das preocupações em paralelo com a carteira, o casaco, as chaves e a confirmação de que o fogão ficou desligado.

Em certas obras de arte que retratam a Idade Média, encontramos médicos com máscara em formato de bico. Este era o símbolo e o valor que se imprimia à mortal e devastadora pandemia da época. Recordamos a exploração do conceito de antissepsia a Joseph Lister (1827-1912), Louis Pasteur (1822-1895) e com especial realce a Carl Friedrich Flügge (1847–1923), Theodor Billroth (1829–1894) e Johannes von Mikulicz (1850–1905) com a introdução da “banda na boca” que consista numa máscara produzida com uma camada de compressas. Um outro marco remonta à Alemanha, convocando Fritz König (1866–1952) para os agradecimentospor ter produzido a primeira máscara cirúrgica (Matuschek et al, 2020).

Muito obrigado a todos!

Muitos outros nomes deveriam ser recordados. Desde Schuyler Wheeler (1860-1923), engenheiro eletrotécnico americano, a propósito dos ventiladores, mas também na história da eletricidade e da física que a suporta, como William Gilbert (1544-1603), Luigi Galvani (1737-1798), Alessandro Volta (1745-1827), Michael Faraday (1791-1867), Humphry Davy (1778-1829), Thomas Edison (1847-1931) e muitos outros (Erenoğlu et al, 2019; Giannetto, 2003).

Muito obrigado a todos!

E tantos outros que podemos enumerar. Da história da internet e das comunicações à invenção e desenvolvimento das redes sociais, aos meios de comunicação, tornando incomportável a sua enumeração.

Serve dizer que o sucesso de hoje se constrói a partir dos sucessos e insucessos do passado. Temos uma herança, mas também uma responsabilidade! Um conjunto de descobertas e invenções que só por si algumas valeram prémios e reconhecimentos, mas hoje estão ao nosso dispor como dado adquirido. E o mínimo que podemos fazer é reconhecê-lo, agradecidamente. O seu desenvolvimento torna-nos responsáveis pela continuação deste trabalho.

Hoje enfrentamos uma pandemia e sem estes nomes, a resposta dos nossos decisores e agentes ativos neste combate seria necessariamente diferente. Seria tanto melhor quantos mais instrumentos houvesse e refinado estivesse o conhecimento das áreas basilares do desenvolvimento biomédico.

Os nomes destes, para muitos desconhecidos e para outros esquecidos, são o suporte adquirido de hoje. Mas é bom saber que participam com o resultado do seu trabalho do passado no combate dos desafios do presente.

O tempo, mas também o empenho ao longo do tempo, foram as variáveis que nos permitiram chegar a um grau de maturidade digital, tecnológica, de conhecimento e sensibilidade na abordagem que nos garante determinadas situações. Contudo, é fundamental recordar que este tempo continua, os desafios permanecem e muitos destes entram sem cortesia e sem autorização.

Que o adequado e justo uso de todas as descobertas seja a porta para o fim desta pandemia. Reconhecendo o bem que nos foi deixado, sintamo-nos responsáveis por continuar esta história. Atacados por um vírus, mas permanecendo humanos.

E é tempo de agradecer de forma muito especial a todos os que hoje participam ativamente no combate a esta pandemia.

Muito obrigado a todos!

Bibliografia

Erenoğlu, A. K., Erdinç, O., & Taşcıkaraoğlu, A. (2019). “History of Electricity“. In Pathways to a Smarter Power System (pp. 1-27). Academic Press.

Fries, T. M. (2011). Linnaeus. Cambridge University Press.

Giannetto, E. A. (2003). Volta and the History of Electricity. F. Bevilacqua (Ed.). Hoepfli Ed..

Grodzinsky, E., & Levander, M. S. (2020). “History of the Thermometer“. In Understanding Fever and Body Temperature (pp. 23-35). Palgrave Macmillan, Cham.

Lidén, M. (2007). The legacy of Linnaeus. BGjournal, 4(1), 4-7.

Mackowiak, P. A., & Worden, G. (1994). Carl Reinhold August Wunderlich and the evolution of clinical thermometry. Clinical Infectious Diseases, 18(3), 458-467.

Matuschek, C., Moll, F., Fangerau, H., Fischer, J. C., Zänker, K., Van Griensven, M., … & Haussmann, J. (2020). The history and value of face masks. European journal of medical research, 25(1), 1-6.

Nordmann, C. J. (1966). L’expedition de Maupertuis et Celsius en Laponie. Cahiers d’Histoire Mondiale. Journal of World History. Cuadernos de Historia Mundial, 10(1), 75.

 Pearce, J. M. S. (2002). A brief history of the clinical thermometer. Qjm, 95(4), 251-252.

Stempels, H. C. (2011). Anders Celsius’ Contributions to Meridian Arc Measurements and the Establishment of an Astronomical Observatory in Uppsala. Open Astronomy, 20(2), 179-185.

Vepa, R. (2009). Biomimetic robotics: mechanisms and control. Cambridge University Press.

Wright, W. F., & Mackowiak, P. A. (2016). Origin, evolution and clinical application of the thermometer.