O recente ataque de mísseis do Irão sobre Israel, suscitou já inúmeras análises e interpretações, algumas das quais francamente disparatadas ou irremediavelmente inquinadas por narrativas sectárias. Israel é um assunto que suscita paixões fortes, a meu ver motivadas, ainda que inconscientemente, pelo velho demónio do antissemitismo, em conjunção com a aversão ideológica ao Ocidente. Só isso explica cabalmente por que razão um pequeno país democrático, rodeado por inimigos empenhados na sua destruição, está sempre no radar condenatório de tanta gente, ao passo que situações como a da Síria, do Sudão, do Tibete, de Cuba, da Venezuela, do Irão, do Curdistão, da Ucrânia, etc., etc., acompanhadas com vastos cortejos de centenas de milhares de mortos, repressão, real genocídio, não parecem justificar acampamentos, manifestações, agressões, activismos, petições e posições mais fortes do que um mero encolher de ombros.

A minha análise é só mais uma, que procura centrar os factos, e isso já basta para remar contra uma poderosa maré que, martelada constantemente nas televisões e meios de comunicação mais importantes, coloca quase todos os ónus em Israel.

Tal como todos os actos de guerra movidos contra Israel, desde o seu renascimento em 1948, este ataque com mísseis aconteceu num dia significativo do calendário judaico. Coincidência ou não, os aiatolas atacaram na véspera de Ano Novo do calendário judaico, o Rosh Hashana.

O objectivo declarado do ataque foi a “retaliação”.

Khamenei e seu regime procuram assim dar a entender que os seus ataques resultam da acção de Israel, da mesma maneira que Guterres sugeriu que o ataque terrorista do Hamas que levou a esta situação, foi motivado por antecedentes cuja culpa subtilmente atribuiu a Israel. É basicamente a falácia do violador que justifica o seu crime como uma resposta inevitável aos sinais provocatórios da vítima, a verdadeira culpada. Trata-se de uma flagrante deturpação da realidade. O Irão faz de conta que não tem nada a ver com o assunto, quando o Hezbollah, o Hamas, os Houthis, etc, atacam,

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Segundo essa narrativa, os aiatolas atacaram para “punir” Israel pelas execuções dos líderes do Hezbollah e do Hamas, este em Teerão.

Esta retórica funciona. Filipe Caetano, do Partido Livre, que surge amiúde na NOW TV a comentar, sugeriu em directo que a execução do líder do Hamas, um grupo terrorista e classificado como tal, foi ela mesma um acto terrorista, assumindo, subliminarmente, que o Irão tem o direito de responder. O dito analista, chegou mesmo a sugerir a razoabilidade de uma narrativa segundo a qual o Irão está a proteger as populações do Líbano e de Gaza, afirmação notável, face ao iniludível facto de que o Irão utiliza deliberadamente estas populações como peões na sua guerra de décadas contra Israel e pela hegemonia regional.

Seja como for, o campo de batalha das percepções está moldado por esta guerra por procuração, e Israel não se pode dar ao luxo de permitir que essa artimanha iraniana dite as regras e os termos do conflito. A retórica que visa obscurecer o papel do Irão como titereiro de toda a violência, não muda o facto de ser este país quem desencadeou uma guerra que, para Israel é existencial.

O que o Irão pretende, num momento em que os seus principais activos estão a ser sistematicamente atacados e desmantelados, é enfraquecer a acção israelita sobre eles, aumentar a pressão internacional, solapar a determinação de Israel, projectar uma percepção de poder, ganhar tempo e, em ultima análise, repor a equação que vigorava e com a qual a liderança iraniana se sentia muito confortável:

Atacar Israel quando e como quisesse, através dos seus proxies na região, e Israel apenas podia defender-se e executar pequenas acções retaliatórias contra eles, mas não contra o mandante.

Em suma, o ataque com mísseis não foi uma mera retaliação, mas sim uma acção que integra uma estratégia muito mais ampla.

Os resultados do ataque são de fácil avaliação.

Em termos tácticos e operacionais podem considerar-se um fracasso, já que os danos materiais e humanos parecem ter sido irrelevantes. Todavia, uma importante base aérea no Negev (Nevatim) foi atingida por quase 40 objectos e pelo menos uma estrutura sofreu um impacto, visível em imagens de satélite. Apesar de a maioria dos impactos serem claramente de destroços de mísseis, dada a natureza dos estragos e das crateras observáveis, alguns mísseis terão mesmo impactado em terrenos da base, embora não as infraestruturas relevantes.

O que suscita várias questões.

Terão sido os sistemas de IA que fazem a gestão das intercepções, e que normalmente não desperdiçam interceptores quando a trajectória do míssil o leva a impactar em zonas irrelevantes, funcionado na perfeição?

Terá sido sorte?

Terão os mísseis iranianos problemas ainda não resolvidos em termos de precisão? Terá o Irão coreografado cuidadosamente o ataque para evitar danos maiores?

Não tenho respostas para estas questões, poderá ter sido um pouco disto tudo, mas as forças armadas de Israel devam já saber exactamente o que se passou.

Em termos estratégicos e na luta das percepções, a análise tem de ser mais cuidadosa. O facto é que imagens amplamente divulgadas, mostram impactos de objectos no solo, com grande libertação de luz e calor e isso foi efusivamente celebrado, não só pelos “analistas” anti-israelitas que enxameiam as televisões, mas pela própria liderança iraniana. A capacidade missilística iraniana ficou bem demonstrada e esse é um importante factor nos cálculos da dissuasão regional.

É por estas razões que Israel tem racionalmente de retaliar de forma escalatória. Um país sem profundidade estratégica, de dimensões reduzidas, não pode apenas defender-se e combater no seu território, é vital que imponha uma equação de dissuasão que iniba os aiatolas de fazerem ou ordenarem este tipo de ataques. Em um ano quase 30 000 mísseis impactaram o território israelita. A população de Israel vê-se a correr para os abrigos, a normalidade suspende-se, as vidas perdem-se, os prejuízos acumulam-se, os aeroportos fecham, cada vez que os aiatolas e/ou os seus braços armados decidem alvejar Israel, mas nada de semelhante acontece no Irão.

Se não houver uma ameaça séria que leve os aiatolas a pensar muitas vezes antes de lançar ou ordenar ataques deste tipo, Israel viverá sempre com uma espada de Dâmocles suspensa sobre a sua cabeça à mercê dos humores ou cálculos dos aiatolas. A prazo isso é insustentável e levará ao paulatino êxodo dos judeus, da mesma maneira que a asfixia do terror que o Hezbollah impôs no Líbano, levou à fuga de grande parte da mais educada e activa população maronita, alterando radicalmente os equilíbrios demográficos.

Os EUA, a Europa e o Ocidente, de um modo geral, pretendem limitar a resposta israelita, invocando a proporcionalidade embora, no fundo, o que procuram é o apaziguamento dos aiatolas, porque, contra todas as evidências, ainda acreditam na racionalidade da liderança iraniana ou nas cosmovisões kumbaya. Ora a proporcionalidade, tão errónea e propagandisticamente invocada nas narrativas mediáticas anti-israelitas, tem a ver com a ponderação entre o valor militar de um alvo e os previsíveis danos a civis, não com outras quaisquer restrições à capacidade de uma nação se defender e derrotar uma agressão. (E não, não é contra as leis da guerra alvejar um hospital, ou uma escola, se estas estruturas estiverem a ser utilizadas para actividades militares).

Ao colocar o ênfase neste conceito, como se Israel estivesse apenas a responder a provocações isoladas, o Ocidente parece não compreender a natureza existencial da guerra que está a ser imposta a Israel, em múltiplas frentes, todas elas sob a batuta do Irão.

E embora Israel não tenha declarado oficialmente o Irão como objectivo directo da guerra defensiva que está a levar a cabo, os seus objetivos declarados de trazer os reféns para casa, proteger as fronteiras do norte e desmantelar a infraestrutura militar em Gaza estão inapelavelmente ligados à guerra por procuração que os aiatolas decidiram.

Neutralizar esses grupos inscreve-se no objectivo maior de desapossar o Irão dos exércitos não estatais com que cercou Israel.

As acções de Israel contra o Hezbollah e o Hamas são naturalmente justificadas, afinal foram eles que atacaram, mas é também justificada a acção contra o Irão, que os financia, arma e dirige.

O próprio Khamenei, comandante-em-chefe das forças armadas do Irão, autoridade máxima do país, que tem controlo directo sobre a estrutura militar iraniana, incluindo a IRGC e a Força Quds, é um alvo militar legítimo, à luz das leis dos conflitos armados, da mesma maneira que o eram os líderes do Hamas e do Hezbollah. Não é “terrorismo”, atacar alvos militares.

As preocupações com a proporcionalidade, retoricamente alegadas pela Administração Biden-Harris, nada têm a ver com a protecção das infraestruturas que o Irão usa para fazer a guerra, ou seja, indústria militar, objectivos económicos, programa nuclear, centros de decisão políticos, etc.

O direito de Israel à autodefesa inclui e na verdade exige, face aos factos, alvejar a fonte das capacidades militares iraniana. A ênfase americana na “proporcionalidade” apenas reforça a narrativa dos aiatolas. E ao sugerir que Israel requer orientação externa para cumprir o direito internacional, mina a soberania e a posição de Israel.

A afirmação do presidente Biden de que nenhum governo fez mais por Israel, tem implícita a ideia de que Israel deve limitar a sua represália, não aos seus objectivos, mas às considerações da política interna americana. E explicita, com toda a clareza, que esta Administração não hesita muito em chantagear o seu maior aliado na região, como de resto fez com a Arábia Saudita, face ao Irão e os seus Houthis. Este modus faciendi da administração Biden-Harris, certamente sem intenção, tem apenas o efeito de varrer os problemas para debaixo do tapete, encorajar os adversários e enfraquecer a credibilidade dos EUA.

Elementos do Partido Democrata acusaram mesmo o primeiro-ministro Netanyahu de usar o conflito para influenciar as eleições dos EUA, ou para se manter no poder, como se a preocupação da liderança de uma nação em guerra existencial, se resumisse a diferendos políticos e a questiúnculas ideológicas. É, mutatis mutandis, como acusar Churchill de ter ido para a guerra com a Alemanha, para se manter no poder.

Enquanto isso, o Irão continua a apoiar as suas forças e aliados no Líbano, Gaza, Síria, Iraque e Iémen.

Nesta guerra existencial, Israel tem o direito de se defender e de agir decisivamente sobre aqueles que buscam explicitamente sua destruição. Questionar a legalidade de atacar as instalações nucleares ou petrolíferas do Irão, devido a preocupações com a proporcionalidade, ignora que essas instalações são o fulcro da explícita ameaça militar iraniana. Se for tarde demais para impedir que o Irão chegue à bomba, então o imperativo moral de derrotar os aiatolas torna-se ainda mais premente, digam Borrell ou Guterres o que disserem, na sua cruzada anti-israelita.

Uma referência também à França e ao seu recente apelo ao embargo de armas a Israel, que surge no momento em que Israel finalmente decide acabar com a contínua agressão que está a acontecer desde há um ano, a partir do Líbano.

A França tem relações privilegiadas com o Líbano, e tem quase mil homens na UNIFIL, força que estava mandatada para garantir que o Hezbollah não se instalava a Sul do Rio Litani, mas que nada fez para evitar isso, limitando-se a colaborar com o Exército do Líbano, uma força sem qualquer autonomia relativamente ao Hezbollah. O Hezbollah chegou ao sarcasmo de instalar estruturas suas junto a posições da UNIFIL.

Mas a França não vende armas a Israel há quase 60 anos, pelo que esta posição de Macron, explica-se também pela conveniência em aplacar o Qatar, com quem a França tem ligações multifacetados que, na prática, ajudam indirectamente a sustentar o Hamas.

A forte presença do Qatar no imobiliário, na Total (a França depende do GNL do Qatar), na Vinci, na Airbus, no futebol (Paris Saint Germain), o patrocínio do Museu do Louvre, a Al Jazeera e o seu canal francês, o AJ+, bem como a compra de aviões Raffale e outros equipamentos militares em encomendas de biliões de euros, alavancam a influência política, garantindo a atitude cautelosa da França, relativamente à política externa do emirato.

O apoio financeiro e diplomático do Qatar ao Hamas está bem documentado, é o grande sustentador financeiro e diplomático do movimento terrorista e da hostilidade contra Israel, mas a França está profundamente envolvida numa teia de laços económicos, que a leva a fazer opções como esta recente verbalização de Macron, que junta injúria à ofensa, ao mandar o seu primeiro-ministro dizer que não vender equipamentos a Israel tem afinal em vista a segurança deste país. A hipocrisia devia ter limites!

Não é só a França, os dinheiros do Qatar estão espalhados por vários países ocidentais, incluindo prestigiadas universidades americanas, e constituem uma poderosa ferramenta de pressão e influência que determina votos, posições, narrativas, etc. Basta recordar o que aconteceu com o escândalo do Mundial do Qatar, para se ter uma ideia do alcance deste soft power.

As típicas teorias da conspiração, referem-se sempre às lendas sobre o dinheiro judeu, mas a realidade, é exactamente a oposta.