Desculpem voltar outra vez ao tema, mas o absurdo a isso me obriga.

É frequente ouvirmos em épocas eleitorais a queixa de que a sociedade se abstrai da política e que essa indiferença se concretiza com taxas galopantes de abstenção. Os epítetos com que frequentemente se brinda os políticos, como “são todos iguais”, “só querem o tacho” e outros mimos, não ajudam à sua credibilização. Mas a verdade é que, perante o descrédito, devemos esperar que aqueles que nos representam, ao menos em momentos importantes como o que vivemos, estejam à altura do lugar que ocupam. Não foi o que aconteceu na passada sexta-feira. Os deputados puseram a sua agenda ideológica à frente dos interesses do país.

Lamento dizer, mas a metade de portugueses que normalmente se mantém afastada das urnas teve a confirmação que, de facto, se é para isto não vale a pena votar.

Já muitos o disseram e escreveram e eu repito: aprovar a eutanásia em plena crise sanitária, com recordes batidos todos os dias em número de mortes e internamentos, com os serviços de saúde a entrar em rotura e os médicos exangues a tentar salvar vidas, é um ESCÂNDALO.

Não vou voltar a exprimir a minha opinião sobre o tema, porque já o fiz aqui repetidas vezes. Quero apenas notar a acção de um Parlamento em que os deputados, independentemente das suas opiniões pessoais, parecem ter perdido qualquer sentido de bom senso e da sua função representativa dos Portugueses. Vamos por partes:

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  • O Bloco de Esquerda, pai e mãe desta iniciativa legislativa, pôs, como sempre, a sua agenda de engenharia social à frente e acima de tudo. Quem ouve diariamente Catarina Martins, de lágrima ao canto do olho, angustiada com as dificuldades do Serviço Nacional de Saúde, pode ficar esclarecido sobre as suas reais preocupações. No momento em que o caos se instalou no SNS, bom mesmo é pôr às costas e à consciência dos médicos quem deseja terminar com a sua vida. Brilhante.
  • O Partido Socialista, de cuja incompetência à frente dos destinos do país já aqui falei e que é comprovada in loco nesta entrevista publicada pelo Observador (esperemos que a ministra da Saúde não queira condenar como criminosa esta médica), achou que pôr mais lenha na fogueira em que se está a queimar era a coisa ideal nesta altura. Vai daí, pôs os seus deputados a votar com grande júbilo a eutanásia. Sentindo-se atacada pela ocasião em que isto é feito, a deputada Isabel Moreira ainda veio falar de cidadãos com nome próprio que a partir de agora não têm que sofrer mais. Sugeria à senhora deputada que se deslocasse à porta de um hospital nos dias que correm para conhecer pessoas com nome e apelido que lhe podem falar do que é sofrer nos tempos que correm.
  • O PSD, nisto como em tudo, sem ideias claras nem caminhos certos, ainda teve o bom senso de pedir o adiamento da votação, mas o seu líder mais meia dúzia de deputados deram a vitória à causa da morte sem que Rui Rio pensasse por um instante no eleitorado que quer conquistar e no disparate e péssimo sinal que esta votação dá ao país. O líder do PSD deu prova de que não está ao serviço do partido, pôs o partido ao seu serviço e quando é assim, a factura não tarda a chegar.
  • A Iniciativa Liberal, honra lhe seja feita, nunca enganou ninguém sobre ao que vinha. Mas para um partido que se preocupa com a eficácia das leis e com o sucesso do país, pôr como prioridade a legalização da eutanásia, nesta altura, coloca a IL ao nível do Bloco de Esquerda. Pela ideologia tudo, pelo país logo se vê.
  • O PAN foi coerente consigo próprio, verdadeiramente é um partido que sempre teve na agenda futilidades e contradições, por isso não lhe vislumbro maldade. A sua prioridade é o mundo animal e já conseguiu impedir que essa malvadeza da eutanásia seja aplicada aos bichinhos. A vida das pessoas é um assunto do foro privado de cada um, a não ser que resistam à urgência de se tornarem vegans, isso, sim, é uma questão importante. Temos que salvar o planeta para os bichos e para os vegans.
  • O Chega, que nasceu para mobilizar e servir “as pessoas de bem” e para defender os valores da nação, esqueceu-se de participar neste processo legislativo. O deputado Ventura teve coisas mais interessantes para fazer quando os projectos da eutanásia foram votados em comissão e não apareceu para votar. Na sexta-feira, Deus esqueceu-se de o inspirar para levantar o c… da cadeira e dizer alguma coisa. O tema não é popular nem agita os ânimos e assim preferiu ficar calado no lugar dos perdedores.
  • CDS e PCP assumiram até ao fim a sua posição minoritária neste debate dessintonizado com o país. Fiéis aos seus princípios, não os trocaram pelo discurso fácil nem deixaram de deixar clara a sua palavra aqui  e aqui.

Os deputados podem dizer o que quiserem sobre a sua legitimidade para decidir sobre a eutanásia, mas a forma e a ocasião escolhidas para levar esta teimosia avante dizem tudo sobre a sua irresponsabilidade.

A lei aprovada no Parlamento não tem a ver com direitos, tem a ver com a nossa civilização e, portanto, deveria ser decidida por todos. As reacções de toda a sociedade civil depois da votação de sexta-feira dão ao Presidente da República o respaldo e a obrigação de decidir no interesse dos Portugueses.