Estou em modo pausa. Significa isto que tenho estado em dias cheios de tempo. Horas repletas de si próprias. E que me têm deixado com a sensação de andar a comer um gelado com uma daquelas (asquerosas) colheres de madeira que sabem a palha.
As pausas e o seu ritmo têm um primo chegado que encontra aqui oportunidade para vir visitar. O impasse. Os impasses começam por se definir como “situações difíceis e embaraçosas”, traços que partilham com estes momentos de pausa. E as alturas que estes ditos cujos nos escolhem visitar, seja por que motivo for, têm uma coisa em comum. Estamos em espera. De um nascer. De uma despedida. De um trabalho ou do fim de semana. De uma mensagem ou um sinal. De alguém.
Seja o que for, está ali. À vista, mas um bocadinho depois da ponta dos dedos. E nós já no máximo do alongamento do braço. Não chegamos. Então, é esperar, no desconforto, que outro fator interceda.
Não tem que ser assim. As pausas podem ser positivas. A minha tem sido, na sua generalidade. Mas nada nesta nossa existência é opaco e mono-tom. São muitos e diferentes os momentos e os ângulos. Falo dos momentos escuros e dos ângulos feios agora.
Tento identificar então o porquê desta sombra sobre o meu estado de desocupada e de como isso me soa inerentemente pejorativo ao meu valor. A comparação básica, e adequada ainda à época do ano, é com o estar de férias. Aí, este ácidozinho não aparece. Relaxo, ou desfruto, dependendo do mood e do dia, tranquila. A chave da diferença das situações está na autorização, já percebi. De férias, existe autorização, quase obrigação, social e pessoal, para aboborar. Porque mereci. Porque trabalhei para isso. Porque vem no meu contrato.
Ora quando estamos sem ocupação, pelo motivo que for, mais ou menos imputável a nós, e nos falta esta rede autorizativa por baixo, a nossa engrenagem, embebida que está no óleo da aceitação por merecimento, não o sabe desfrutar. Dá erro no sistema. O código tem elementos em falta. #N/A
Surgiu aqui, no entanto, um argumento interessante a considerar da modernidade (palavra curiosa esta cujo uso nos faz soar velhos) para defender o meu desfrute do estado de desocupação.
A Simone Biles parava tudo onde entrava até 2019. Teve palco, por absoluto mérito e com o seu microfone mudou o mundo. Ao ser fisicamente diferente das anteriores campeãs da sua modalidade. Ao falar sobre o que acontecia naquele elitista ambiente, por detrás de portas fechadas. E ao fazer tudo isto enquanto vencia tudo o que havia para vencer numa das modalidades mais reconhecidamente padronizadas do mundo.
Todos sabemos quão desadequados nos parecem os nossos movimentos quando nos sentimos observados e o consciente decide meter-se onde não é chamado. Pois ela, tinha os olhos do mundo a fazerem-lhe pressão nos ombros. Começou a correr mal. A falhar nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Então afastou-se. Não se sentia psicologicamente em condições. Pausou.
Hoje, regressa. Vence o mesmo campeonato nacional que há 10 anos tinha vencido e do alto dos seus idosos 26 anos é a ginasta mais velha a fazê-lo. Varre a cena toda. Tal filme. Continua a mudar o mundo.
A palavra que a imprensa em inglês anda a utilizar para o tempo que a Simone Biles passou afastada é hiato. Um intervalo, um espaço em branco. Na sua origem, em latim, estar de boca aberta. Engraçado que se inclua abertura na definição de um tempo de calma.
Sim. As pausas têm tudo para dar lucros. Mas este é daqueles temas tramados que o meu cérebro teima em chutar para fora. Quando chego ao teste, falta-me uma eloquente frase para mostrar que já cá morou a informação. Uma pontinha sequer que possa indicar que o assunto me é vagamente familiar.
Dá-me esperança, como comum mortal, ver os incríveis, como a Simone Biles, saírem maiores dos seus tempos de pausa (ou hiatos). Porque certamente também ela teve dias em que conseguia perceber o sabor da colher de madeira. E não deixou de ser menos rainha da cena toda. Aliás acabou a ser mais.
Resumindo então a matéria. Repetir a mim própria as vezes necessárias para fixar. O meu tempo não tem o valor da minha remuneração dividida à hora, nem a disponibilidade que papel nenhum me legitimou. É meu. Para o bem, mal, vontade ou tédio. Vou mas é deitar fora a porcaria da colher de madeira e comer com a de metal. Eu mereço.